Capitulo 1. Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jo. Era homem integro e reto, que temia a Deus e se desviava do mal. Nasceram-lhe sete filhos e tres filhas. Possuia ele sete mil ovelhas, tres mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas, tendo tambem muitissima gente ao seu servic,o; de modo que este homem era o maior de todos os do Oriente. Iam seus filhos `a casa uns dos outros e faziam banquetes cada um por sua vez; e mandavam convidar as suas tres irmas para comerem e beberem com eles. E sucedia que, tendo decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jo e os santificava; e, levantando-se de madrugada, oferecia holocaustos segundo o numero de todos eles; pois dizia Jo: Talvez meus filhos tenham pecado, e blasfemado de Deus no seu corac,ao. Assim o fazia Jo continuamente. Ora, chegado o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio tambem Satanas entre eles. O Senhor perguntou a Satanas: Donde vens? E Satanas respondeu ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela. Disse o Senhor a Satanas: Notaste porventura o meu servo Jo, que ninguem ha na terra semelhante a ele, homem integro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal? Entao respondeu Satanas ao Senhor, e disse: Porventura Jo teme a Deus debalde? Nao o tens protegido de todo lado a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? Tens abenc,oado a obra de suas maos, e os seus bens se multiplicam na terra. Mas estende agora a tua mao, e toca-lhe em tudo quanto tem, e ele blasfemara de ti na tua face! Ao que disse o Senhor a Satanas: Eis que tudo o que ele tem esta no teu poder; somente contra ele nao estendas a tua mao. E Satanas saiu da presenc,a do Senhor. Certo dia, quando seus filhos e suas filhas comiam e bebiam vinho em casa do irmao mais velho, veio um mensageiro a Jo e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto a eles; e deram sobre eles os sabeus, e os tomaram; mataram os moc,os ao fio da espada, e so eu escapei para trazer-te a nova. Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do ceu e queimou as ovelhas e os moc,os, e os consumiu; e so eu escapei para trazer-te a nova. Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Os caldeus, dividindo-se em tres bandos, deram sobre os camelos e os tomaram; e mataram os moc,os ao fio da espada; e so eu escapei para trazer-te a nova. Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Teus filhos e tuas filhas estavam comendo e bebendo vinho em casa do irmao mais velho; e eis que sobrevindo um grande vento de alem do deserto, deu nos quatro cantos da casa, e ela caiu sobre os mancebos, de sorte que morreram; e so eu escapei para trazer-te a nova. Entao Jo se levantou, rasgou o seu manto, rapou a sua cabec,a e, lanc,ando-se em terra, adorou; e disse: Nu sai do ventre de minha mae, e nu tornarei para la. O Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor. Em tudo isso Jo nao pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.
Capitulo 2. Chegou outra vez o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor; e veio tambem Satanas entre eles apresentar-se perante o Senhor. Entao o Senhor perguntou a Satanas: Donde vens? Respondeu Satanas ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela. Disse o Senhor a Satanas: Notaste porventura o meu servo Jo, que ninguem ha na terra semelhante a ele, homem integro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal? Ele ainda retem a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa. Entao Satanas respondeu ao Senhor: Pele por pele! Tudo quanto o homem tem dara pela sua vida. Estende agora a mao, e toca-lhe nos ossos e na carne, e ele blasfemara de ti na tua face! Disse, pois, o Senhor a Satanas: Eis que ele esta no teu poder; somente poupa-lhe a vida. Saiu, pois, Satanas da presenc,a do Senhor, e feriu Jo de ulceras malignas, desde a planta do pe ate o alto da cabec,a. E Jo, tomando um caco para com ele se raspar, sentou-se no meio da cinza. Entao sua mulher lhe disse: Ainda retens a tua integridade? Blasfema de Deus, e morre. Mas ele lhe disse: Como fala qualquer doida, assim falas tu; receberemos de Deus o bem, e nao receberemos o mal? Em tudo isso nao pecou Jo com os seus labios. Ouvindo, pois, tres amigos de Jo todo esse mal que lhe havia sucedido, vieram, cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, Bildade o suita e Zofar o naamatita; pois tinham combinado para virem condoer- se dele e consola-lo. E, levantando de longe os olhos e nao o reconhecendo, choraram em alta voz; e, rasgando cada um o seu manto, lanc,aram po para o ar sobre as suas cabec,as. E ficaram sentados com ele na terra sete dias e sete noites; e nenhum deles lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande.
Capitulo 3. Depois disso abriu Jo a sua boca, e amaldic,oou o seu dia. E Jo falou, dizendo: Perec,a o dia em que nasci, e a noite que se disse: Foi concebido um homem! Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, la de cima, nao tenha cuidado dele, nem resplandec,a sobre ele a luz. Reclamem-no para si as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; espante-o tudo o que escurece o dia. Quanto `aquela noite, dela se apodere a escuridao; e nao se regozije ela entre os dias do ano; e nao entre no numero dos meses. Ah! que esteril seja aquela noite, e nela nao entre voz de regozijo. Amaldic,oem-na aqueles que amaldic,oam os dias, que sao peritos em suscitar o leviata. As estrelas da alva se lhe escurec,am; espere ela em vao a luz, e nao veja as palpebras da manha; porquanto nao fechou as portas do ventre de minha mae, nem escondeu dos meus olhos a aflic,ao. Por que nao morri ao nascer? por que nao expirei ao vir `a luz? Por que me receberam os joelhos? e por que os seios, para que eu mamasse? Pois agora eu estaria deitado e quieto; teria dormido e estaria em repouso, com os reis e conselheiros da terra, que reedificavam ruinas para si, ou com os principes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata; ou, como aborto oculto, eu nao teria existido, como as crianc,as que nunca viram a luz. Ali os impios cessam de perturbar; e ali repousam os cansados. Ali os presos descansam juntos, e nao ouvem a voz do exator. O pequeno e o grande ali estao e o servo esta livre de seu senhor. Por que se concede luz ao aflito, e vida aos amargurados de alma; que anelam pela morte sem que ela venha, e cavam em procura dela mais do que de tesouros escondidos; que muito se regozijam e exultam, quando acham a sepultura? Sim, por que se concede luz ao homem cujo caminho esta escondido, e a quem Deus cercou de todos os lados? Pois em lugar de meu pao vem o meu suspiro, e os meus gemidos se derramam como agua. Porque aquilo que temo me sobrevem, e o que receio me acontece. Nao tenho repouso, nem sossego, nem descanso; mas vem a perturbac,ao.
Capitulo 4. Entao respondeu Elifaz, o temanita, e disse: Se alguem intentar falar-te, enfadarte-as? Mas quem podera conter as palavras? Eis que tens ensinado a muitos, e tens fortalecido as maos fracas. As tuas palavras tem sustentado aos que cambaleavam, e os joelhos desfalecentes tens fortalecido. Mas agora que se trata de ti, te enfadas; e, tocando-te a ti, te desanimas. Porventura nao esta a tua confianc,a no teu temor de Deus, e a tua esperanc,a na integridade dos teus caminhos? Lembra-te agora disto: qual o inocente que jamais pereceu? E onde foram os retos destruidos? Conforme tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam o mesmo. Pelo sopro de Deus perecem, e pela rajada da sua ira sao consumidos. Cessa o rugido do leao, e a voz do leao feroz; os dentes dos leoezinhos se quebram. Perece o leao velho por falta de presa, e os filhotes da leoa andam dispersos. Ora, uma palavra se me disse em segredo, e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela. Entre pensamentos nascidos de visoes noturnas, quando cai sobre os homens o sono profundo, sobrevieram-me o espanto e o tremor, que fizeram estremecer todos os meus ossos. Entao um espirito passou por diante de mim; arrepiaram-se os cabelos do meu corpo. Parou ele, mas nao pude discernir a sua aparencia; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silencio, entao ouvi uma voz que dizia: Pode o homem mortal ser justo diante de Deus? Pode o varao ser puro diante do seu Criador? Eis que Deus nao confia nos seus servos, e ate a seus anjos atribui loucura; quanto mais aos que habitam em casas de lodo, cujo fundamento esta no po, e que sao esmagados pela trac,a! Entre a manha e a tarde sao destruidos; perecem para sempre sem que disso se fac,a caso. Se dentro deles e arrancada a corda da sua tenda, porventura nao morrem, e isso sem atingir a sabedoria?
Capitulo 5. Chama agora; ha alguem que te responda; E a qual dentre os entes santos te dirigiras? Pois a dor destroi o louco, e a inveja mata o tolo. Bem vi eu o louco lanc,ar raizes; mas logo amaldic,oei a sua habitac,ao: Seus filhos estao longe da seguranc,a, e sao pisados nas portas, e nao ha quem os livre. A sua messe e devorada pelo faminto, que ate dentre os espinhos a tira; e o lac,o abre as fauces para a fazenda deles. Porque a aflic,ao nao procede do po, nem a tribulac,ao brota da terra; mas o homem nasce para a tribulac,ao, como as faiscas voam para cima. Mas quanto a mim eu buscaria a Deus, e a Deus entregaria a minha causa; o qual faz coisas grandes e inescrutaveis, maravilhas sem numero. Ele derrama a chuva sobre a terra, e envia aguas sobre os campos. Ele poe num lugar alto os abatidos; e os que choram sao exaltados `a seguranc,a. Ele frustra as maquinac,oes dos astutos, de modo que as suas maos nao possam levar coisa alguma a efeito. Ele apanha os sabios na sua propria astucia, e o conselho dos perversos se precipita. Eles de dia encontram as trevas, e ao meio-dia andam `as apalpadelas, como de noite. Mas Deus livra o necessitado da espada da boca deles, e da mao do poderoso. Assim ha esperanc,a para o pobre; e a iniqueidade tapa a boca. Eis que bem-aventurado e o homem a quem Deus corrige; nao desprezes, pois, a correc,ao do Todo-Poderoso. Pois ele faz a ferida, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas maos curam. Em seis angustias te livrara, e em sete o mal nao te tocara. Na fome te livrara da morte, e na guerra do poder da espada. Do ac,oite da lingua estaras abrigado, e nao temeras a assolac,ao, quando chegar. Da assolac,ao e da fome te riras, e dos animais da terra nao teras medo. Pois ate com as pedras do campo teras a tua alianc,a, e as feras do campo estarao em paz contigo. Saberas que a tua tenda esta em paz; visitaras o teu rebanho, e nada te faltara. Tambem saberas que se multiplicara a tua descendencia e a tua posteridade como a erva da terra. Em boa velhice iras `a sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo. Eis que isso ja o havemos inquirido, e assim o e; ouve-o, e conhece-o para teu bem.
Capitulo 6. Entao Jo, respondendo, disse: Oxala de fato se pesasse a minha magoa, e juntamente na balanc,a se pusesse a minha calamidade! Pois, na verdade, seria mais pesada do que a areia dos mares; por isso e que as minhas palavras tem sido temerarias. Porque as flechas do Todo-Poderoso se cravaram em mim, e o meu espirito suga o veneno delas; os terrores de Deus se arregimentam contra mim. Zurrara o asno montes quando tiver erva? Ou mugira o boi junto ao seu pasto?: Pode se comer sem sal o que e insipido? Ou ha gosto na clara do ovo? Nessas coisas a minha alma recusa tocar, pois sao para mim qual comida repugnante. Quem dera que se cumprisse o meu rogo, e que Deus me desse o que anelo! que fosse do agrado de Deus esmagar-me; que soltasse a sua mao, e me exterminasse! Isto ainda seria a minha consolac,ao, e exultaria na dor que nao me poupa; porque nao tenho negado as palavras do Santo. Qual e a minha forc,a, para que eu espere? Ou qual e o meu fim, para que me porte com paciencia? E a minha forc,a a forc,a da pedra? Ou e de bronze a minha carne? Na verdade nao ha em mim socorro nenhum. Nao me desamparou todo o auxilio eficaz? Ao que desfalece devia o amigo mostrar compaixao; mesmo ao que abandona o temor do Todo-Poderoso. Meus irmaos houveram-se aleivosamente, como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam, os quais se turvam com o gelo, e neles se esconde a neve; no tempo do calor vao minguando; e quando o calor vem, desaparecem do seu lugar. As caravanas se desviam do seu curso; sobem ao deserto, e perecem. As caravanas de Tema olham; os viandantes de Saba por eles esperam. Ficam envergonhados por terem confiado; e, chegando ali, se confundem. Agora, pois, tais vos tornastes para mim; vedes a minha calamidade e temeis. Acaso disse eu: Dai-me um presente? Ou: Fazei-me uma oferta de vossos bens? Ou: Livrai-me das maos do adversario? Ou: Resgatai-me das maos dos opressores ? Ensinai-me, e eu me calarei; e fazei-me entender em que errei. Quao poderosas sao as palavras da boa razao! Mas que e o que a vossa argueic,ao reprova? Acaso pretendeis reprovar palavras, embora sejam as razoes do desesperado como vento? Ate quereis lanc,ar sortes sobre o orfao, e fazer mercadoria do vosso amigo. Agora, pois, por favor, olhai para, mim; porque de certo `a vossa face nao mentirei. Mudai de parecer, pec,o-vos, nao haja injustic,a; sim, mudai de parecer, que a minha causa e justa. Ha iniqueidade na minha lingua? Ou nao poderia o meu paladar discernir coisas perversas?
Capitulo 7. Porventura nao tem o homem duro servic,o sobre a terra? E nao sao os seus dias como os do jornaleiro? Como o escravo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga, assim se me deram meses de escassez, e noites de aflic,ao se me ordenaram. Havendo-me deitado, digo: Quando me levantarei? Mas comprida e a noite, e farto-me de me revolver na cama ate a alva. A minha carne se tem vestido de vermes e de torroes de po; a minha pele endurece, e torna a rebentar-se. Os meus dias sao mais velozes do que a lanc,adeira do tecelao, e chegam ao fim sem esperanc,a. Lembra-te de que a minha vida e um sopro; os meus olhos nao tornarao a ver o bem. Os olhos dos que agora me veem nao me verao mais; os teus olhos estarao sobre mim, mas nao serei mais. Tal como a nuvem se desfaz e some, aquele que desce `a sepultura nunca tornara a subir. Nunca mais tornara `a sua casa, nem o seu lugar o conhecera mais. Por isso nao reprimirei a minha boca; falarei na angustia do meu espirito, queixar-me-ei na amargura da minha alma. Sou eu o mar, ou um monstro marinho, para que me ponhas uma guarda? Quando digo: Confortar-me-a a minha cama, meu leito aliviara a minha queixa, entao me espantas com sonhos, e com visoes me atemorizas; de modo que eu escolheria antes a estrangulac,ao, e a morte do que estes meus ossos. A minha vida abomino; nao quero viver para sempre; retira-te de mim, pois os meus dias sao vaidade. Que e o homem, para que tanto o engrandec,as, e ponhas sobre ele o teu pensamento, e cada manha o visites, e cada momento o proves? Ate quando nao apartaras de mim a tua vista, nem me largaras, ate que eu possa engolir a minha saliva? Se peco, que te fac,o a ti, o vigia dos homens? Por que me fizeste alvo dos teus dardos? Por que a mim mesmo me tornei pesado? Por que me nao perdoas a minha transgressao, e nao tiras a minha iniqueidade? Pois agora me deitarei no po; tu me buscaras, porem eu nao serei mais.
Capitulo 8. Entao respondeu Bildade, o suita, dizendo: Ate quando falaras tais coisas, e ate quando serao as palavras da tua boca qual vento impetuoso? Perverteria Deus o direito? Ou perverteria o Todo-Poderoso a justic,a? Se teus filhos pecaram contra ele, ele os entregou ao poder da sua transgressao. Mas, se tu com empenho buscares a Deus, e ,ao Todo-Poderoso fizeres a tua suplica, se fores puro e reto, certamente mesmo agora ele despertara por ti, e tornara segura a habitac,ao da tua justic,a. Embora tenha sido pequeno o teu principio, contudo o teu ultimo estado aumentara grandemente. Indaga, pois, eu te pec,o, da gerac,ao passada, e considera o que seus pais descobriram. Porque nos somos de ontem, e nada sabemos, porquanto nossos dias sobre a terra, sao uma sombra. Nao te ensinarao eles, e nao te falarao, e do seu entendimento nao proferirao palavras? Pode o papiro desenvolver-se fora de um pantano. Ou pode o junco crescer sem agua? Quando esta em flor e ainda nao cortado, seca-se antes de qualquer outra erva. Assim sao as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; a esperanc,a do impio perecera, a sua seguranc,a se desfara, e a sua confianc,a sera como a teia de aranha. Encostar-se-a `a sua casa, porem ela nao subsistira; apegar-se-lhe-a, porem ela nao permanecera. Ele esta verde diante do sol, e os seus renovos estendem-se sobre o seu jardim; as suas raizes se entrelac,am junto ao monte de pedras; ate penetra o pedregal. Mas quando for arrancado do seu lugar, entao este o negara, dizendo: Nunca te vi. Eis que tal e a alegria do seu caminho; e da terra outros brotarao. Eis que Deus nao rejeitara ao reto, nem tomara pela mao os malfeitores; ainda de riso te enchera a boca, e os teus labios de louvor. Teus aborrecedores se vestirao de confusao; e a tenda dos impios nao subsistira.
Capitulo 9. Entao Jo respondeu, dizendo: Na verdade sei que assim e; mas como pode o homem ser justo para com Deus? Se alguem quisesse contender com ele, nao lhe poderia responder uma vez em mil. Ele e sabio de corac,ao e poderoso em forc,as; quem se endureceu contra ele, e ficou seguro? Ele e o que remove os montes, sem que o saibam, e os transtorna no seu furor; o que sacode a terra do seu lugar, de modo que as suas colunas estremecem; o que da ordens ao sol, e ele nao nasce; o que sela as estrelas; o que sozinho estende os ceus, e anda sobre as ondas do mar; o que fez a ursa, o Oriom, e as Pleiades, e as recamaras do sul; o que faz coisas grandes e insondaveis, e maravilhas que nao se podem contar. Eis que ele passa junto a mim, e, nao o vejo; sim, vai passando adiante, mas nao o percebo. Eis que arrebata a presa; quem o pode impedir? Quem lhe dira: Que e o que fazes? Deus nao retirara a sua ira; debaixo dele se curvaram os aliados de Raabe; quanto menos lhe poderei eu responder ou escolher as minhas palavras para discutir com ele? Embora, eu seja justo, nao lhe posso responder; tenho de pedir misericordia ao meu juiz. Ainda que eu chamasse, e ele me respondesse, nao poderia crer que ele estivesse escutando a minha voz. Pois ele me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa. Nao me permite respirar, antes me farta de amarguras. Se fosse uma prova de forc,a, eis-me aqui, diria ele; e se fosse questao de juizo, quem o citaria para comparecer? Ainda que eu fosse justo, a minha propria boca me condenaria; ainda que eu fosse perfeito, entao ela me declararia perverso: Eu sou inocente; nao estimo a mim mesmo; desprezo a minha vida. Tudo e o mesmo, portanto digo: Ele destroi o reto e o impio. Quando o ac,oite mata de repente, ele zomba da calamidade dos inocentes. A terra esta entregue nas maos do impio. Ele cobre o rosto dos juizes; se nao e ele, quem e, logo? Ora, os meus dias sao mais velozes do que um correio; fogem, e nao veem o bem. Eles passam como balsas de junco, como aguia que se lanc,a sobre a presa. Se eu disser: Eu me esquecerei da minha queixa, mudarei o meu aspecto, e tomarei alento; entao tenho pavor de todas as minhas dores; porque bem sei que nao me teras por inocente. Eu serei condenado; por que, pois, trabalharei em vao? Se eu me lavar com agua de neve, e limpar as minhas maos com sabao, mesmo assim me submergiras no fosso, e as minhas proprias vestes me abominarao. Porque ele nao e homem, como eu, para eu lhe responder, para nos encontrarmos em juizo. Nao ha entre nos arbitro para por a mao sobre nos ambos. Tire ele a sua vara de cima de mim, e nao me amedronte o seu terror; entao falarei, e nao o temerei; pois eu nao sou assim em mim mesmo.
Capitulo 10. Tendo tedio `a minha vida; darei livre curso `a minha queixa, falarei na amargura da minha alma: Direi a Deus: Nao me condenes; faze-me saber por que contendes comigo. Tens prazer em oprimir, em desprezar a obra das tuas maos e favorecer o designio dos impios? Tens tu olhos de carne? Ou ves tu como ve o homem? Sao os teus dias como os dias do homem? Ou sao os teus anos como os anos de um homem, para te informares da minha iniqueidade, e averiguares o meu pecado, ainda que tu sabes que eu nao sou impio, e que nao ha ninguem que possa livrar-me da tua mao? As tuas maos me fizeram e me deram forma; e te voltas agora para me consumir? Lembra-te, pois, de que do barro me formaste; e queres fazer-me tornar ao po? Nao me vazaste como leite, e nao me coalhaste como queijo? De pele e carne me vestiste, e de ossos e nervos me teceste. Vida e misericordia me tens concedido, e a tua providencia me tem conservado o espirito. Contudo ocultaste estas coisas no teu corac,ao; bem sei que isso foi o teu designio. Se eu pecar, tu me observas, e da minha iniqueidade nao me absolveras. Se for impio, ai de mim! Se for justo, nao poderei levantar a minha cabec,a, estando farto de ignominia, e de contemplar a minha miseria. Se a minha cabec,a se exaltar, tu me cac,as como a um leao feroz; e de novo fazes maravilhas contra mim. Tu renovas contra mim as tuas testemunhas, e multiplicas contra mim a tua ira; reveses e combate estao comigo. Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! se entao tivera expirado, e olhos nenhuns me vissem! Entao fora como se nunca houvera sido; e da madre teria sido levado para a sepultura. Nao sao poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento; antes que me va para o lugar de que nao voltarei, para a terra da escuridao e das densas trevas, terra escurissima, como a propria escuridao, terra da sombra trevosa e do caos, e onde a propria luz e como a escuridao.
Capitulo 11. Entao respondeu Zofar, o naamatita, dizendo: Nao se dara resposta `a multidao de palavras? ou sera justificado o homem falador? Acaso as tuas jactancias farao calar os homens? e zombaras tu sem que ninguem te envergonhe? Pois dizes: A minha doutrina e pura, e limpo sou aos teus olhos. Mas, na verdade, oxala que Deus falasse e abrisse os seus labios contra ti, e te fizesse saber os segredos da sabedoria, pois e multiforme o seu entendimento; sabe, pois, que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniqueidade. Poderas descobrir as coisas profundas de Deus, ou descobrir perfeitamente o Todo-Poderoso? Como as alturas do ceu e a sua sabedoria; que poderas tu fazer? Mais profunda e ela do que o Seol; que poderas tu saber? Mais comprida e a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar. Se ele passar e prender alguem, e chamar a juizo, quem o podera impedir? Pois ele conhece os homens vaos; e quando ve a iniqueidade, nao atentara para ela? Mas o homem vao adquirira entendimento, quando a cria do asno montes nascer homem. Se tu preparares o teu corac,ao, e estenderes as maos para ele; se ha iniqueidade na tua mao, lanc,a-a para longe de ti, e nao deixes a perversidade habitar nas tuas tendas; entao levantaras o teu rosto sem macula, e estaras firme, e nao temeras. Pois tu te esqueceras da tua miseria; apenas te lembraras dela como das aguas que ja passaram. E a tua vida sera mais clara do que o meio-dia; a escuridao dela sera como a alva. E teras confianc,a, porque havera esperanc,a; olharas ao redor de ti e repousaras seguro. Deitar-te-as, e ninguem te amedrontara; muitos procurarao obter o teu favor. Mas os olhos dos impios desfalecerao, e para eles nao havera refugio; a sua esperanc,a sera o expirar.
Capitulo 12. Entao Jo respondeu, dizendo: Sem duvida vos sois o povo, e convosco morrera a sabedoria. Mas eu tenho entendimento como, vos; eu nao vos sou inferior. Quem nao sabe tais coisas como essas? Sou motivo de riso para os meus amigos; eu, que invocava a Deus, e ele me respondia: o justo e reto servindo de irrisao! No pensamento de quem esta seguro ha desprezo para a desgrac,a; ela esta preparada para aquele cujos pes resvalam. As tendas dos assoladores tem descanso, e os que provocam a Deus estao seguros; os que trazem o seu deus na mao! Mas, pergunta agora `as alimarias, e elas te ensinarao; e `as aves do ceu, e elas te farao saber; ou fala com a terra, e ela te ensinara; ate os peixes o mar to declararao. Qual dentre todas estas coisas nao sabe que a mao do Senhor fez isto? Na sua mao esta a vida de todo ser vivente, e o espirito de todo o genero humano. Porventura o ouvido nao prova as palavras, como o paladar prova o alimento? Com os anciaos esta a sabedoria, e na longura de dias o entendimento. Com Deus esta a sabedoria e a forc,a; ele tem conselho e entendimento. Eis que ele derriba, e nao se pode reedificar; ele encerra na prisao, e nao se pode abrir. Ele retem as aguas, e elas secam; solta-as, e elas inundam a terra. Com ele esta a forc,a e a sabedoria; sao dele o enganado e o enganador. Aos conselheiros leva despojados, e aos juizes faz desvairar. Solta o cinto dos reis, e lhes ata uma corda aos lombos. Aos sacerdotes leva despojados, e aos poderosos transtorna. Aos que sao dignos da confianc,a emudece, e tira aos anciaos o discernimento. Derrama desprezo sobre os principes, e afrouxa o cinto dos fortes. Das trevas descobre coisas profundas, e traz para a luz a sombra da morte. Multiplica as nac,oes e as faz perecer; alarga as fronteiras das nac,oes, e as leva cativas. Tira o entendimento aos chefes do povo da terra, e os faz vaguear pelos desertos, sem caminho. Eles andam nas trevas `as apalpadelas, sem luz, e ele os faz cambalear como um ebrio.
Capitulo 13. Eis que os meus olhos viram tudo isto, e os meus ouvidos o ouviram e entenderam. O que vos sabeis tambem eu o sei; nao vos sou inferior. Mas eu falarei ao Todo-Poderoso, e quero defender-me perante Deus. Vos, porem, sois forjadores de mentiras, e vos todos, medicos que nao valem nada. Oxala vos calasseis de todo, pois assim passarieis por sabios. Ouvi agora a minha defesa, e escutai os argumentos dos meus labios. Falareis falsamente por Deus, e por ele proferireis mentiras? Fareis aceitac,ao da sua pessoa? Contendereis a favor de Deus? Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Ou zombareis dele, como quem zomba de um homem? Certamente vos repreendera, se em oculto vos deixardes levar de respeitos humanos. Nao vos amedrontara a sua majestade? E nao caira sobre vos o seu terror? As vossas maximas sao proverbios de cinza; as vossas defesas sao torres de barro. Calai-vos perante mim, para que eu fale, e venha sobre mim o que vier. Tomarei a minha carne entre os meus dentes, e porei a minha vida na minha mao. Eis que ele me matara; nao tenho esperanc,a; contudo defenderei os meus caminhos diante dele. Tambem isso sera a minha salvac,ao, pois o impio nao vira perante ele. Ouvi atentamente as minhas palavras, e chegue aos vossos ouvidos a minha declarac,ao. Eis que ja pus em ordem a minha causa, e sei que serei achado justo: Quem e o que contendera comigo? Pois entao me calaria e renderia o espirito. Concede-me somente duas coisas; entao nao me esconderei do teu rosto: desvia a tua mao rara longe de mim, e nao me amedronte o teu terror. Entao chama tu, e eu responderei; ou eu falarei, e me responde tu. Quantas iniqueidades e pecados tenho eu? Faze-me saber a minha transgressao e o meu pecado. Por que escondes o teu rosto, e me tens por teu inimigo? Acossaras uma folha arrebatada pelo vento? E perseguiras o restolho seco? Pois escreves contra mim coisas amargas, e me fazes herdar os erros da minha mocidade; tambem poes no tronco os meus pes, e observas todos os meus caminhos, e marcas um termo ao redor dos meus pes, apesar de eu ser como uma coisa podre que se consome, e como um vestido, ao qual roi a trac,a.
Capitulo 14. O homem, nascido da mulher, e de poucos dias e cheio de inquietac,ao. Nasce como a flor, e murcha; foge tambem como a sombra, e nao permanece. Sobre esse tal abres os teus olhos, e a mim me fazes entrar em juizo contigo? Quem do imundo tirara o puro? Ninguem. Visto que os seus dias estao determinados, contigo esta o numero dos seus meses; tu lhe puseste limites, e ele nao podera passar alem deles. Desvia dele o teu rosto, para que ele descanse e, como o jornaleiro, tenha contentamento no seu dia. Porque ha esperanc,a para a arvore, que, se for cortada, ainda torne a brotar, e que nao cessem os seus renovos. Ainda que envelhec,a a sua raiz na terra, e morra o seu tronco no po, contudo ao cheiro das aguas brotara, e lanc,ara ramos como uma planta nova. O homem, porem, morre e se desfaz; sim, rende o homem o espirito, e entao onde esta? Como as aguas se retiram de um lago, e um rio se esgota e seca, assim o homem se deita, e nao se levanta; ate que nao haja mais ceus nao acordara nem sera despertado de seu sono. Oxala me escondesses no Seol, e me ocultasses ate que a tua ira tenha passado; que me determinasses um tempo, e te lembrasses de mim! Morrendo o homem, acaso tornara a viver? Todos os dias da minha lida esperaria eu, ate que viesse a minha mudanc,a. Chamar-me-ias, e eu te responderia; almejarias a obra de tuas maos. Entao contarias os meus passos; nao estarias a vigiar sobre o meu pecado; a minha transgressao estaria selada num saco, e ocultarias a minha iniqueidade. Mas, na verdade, a montanha cai e se desfaz, e a rocha se remove do seu lugar. As aguas gastam as pedras; as enchentes arrebatam o solo; assim tu fazes perecer a esperanc,a do homem. Prevaleces para sempre contra ele, e ele passa; mudas o seu rosto e o despedes. Os seus filhos recebem honras, sem que ele o saiba; sao humilhados sem que ele o perceba. Sente as dores do seu proprio corpo somente, e so por si mesmo lamenta.
Capitulo 15. Entao respondeu Elifaz, o temanita: Porventura respondera o sabio com ciencia de vento? E enchera do vento oriental o seu ventre, argueindo com palavras que de nada servem, ou com razoes com que ele nada aproveita? Na verdade tu destrois a reverencia, e impedes a meditac,ao diante de Deus. Pois a tua iniqueidade ensina a tua boca, e escolhes a lingua dos astutos. A tua propria boca te condena, e nao eu; e os teus labios testificam contra ti. Es tu o primeiro homem que nasceu? Ou foste dado `a luz antes dos outeiros? Ou ouviste o secreto conselho de Deus? E a ti so reservas a sabedoria? Que sabes tu, que nos nao saibamos; que entendes, que nao haja em nos? Conosco estao os encanecidos e idosos, mais idosos do que teu pai. Porventura fazes pouco caso das consolac,oes de Deus, ou da palavra que te trata benignamente? Por que te arrebata o teu corac,ao, e por que flamejam os teus olhos, de modo que voltas contra Deus o teu espirito, e deixas sair tais palavras da tua boca? Que e o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para que fique justo? Eis que Deus nao confia nos seus santos, e nem o ceu e puro aos seus olhos; quanto menos o homem abominavel e corrupto, que bebe a iniqueidade como a agua? Escuta-me e to mostrarei; contar-te-ei o que tenho visto (o que os sabios tem anunciado e seus pais nao o ocultaram; aos quais somente era dada a terra, nao havendo estranho algum passado por entre eles); Todos os dias passa o impio em angustia, sim, todos os anos que estao reservados para o opressor. O sonido de terrores esta nos seus ouvidos; na prosperidade lhe sobrevem o assolador. Ele nao cre que tornara das trevas, mas que o espera a espada. Anda vagueando em busca de pao, dizendo: Onde esta? Bem sabe que o dia das trevas lhe esta perto, `a mao. Amedrontam-no a angustia e a tribulac,ao; prevalecem contra ele, como um rei preparado para a peleja. Porque estendeu a sua mao contra Deus, e contra o Todo-Poderoso se porta com soberba; arremete contra ele com dura cerviz, e com as saliencias do seu escudo; porquanto cobriu o seu rosto com a sua gordura, e criou carne gorda nas ilhargas; e habitou em cidades assoladas, em casas em que ninguem deveria morar, que estavam a ponto de tornar-se em montoes de ruinas; nao se enriquecera, nem subsistira a sua fazenda, nem se estenderao pela terra as suas possessoes. Nao escapara das trevas; a chama do fogo secara os seus ramos, e ao sopro da boca de Deus desaparecera. Nao confie na vaidade, enganando-se a si mesmo; pois a vaidade sera a sua recompensa. Antes do seu dia se cumprira, e o seu ramo nao reverdecera. Sacudira as suas uvas verdes, como a vide, e deixara cair a sua flor como a oliveira. Pois a assembleia dos impios e esteril, e o fogo consumira as tendas do suborno. Concebem a malicia, e dao `a luz a iniqueidade, e o seu corac,ao prepara enganos.
Capitulo 16. Entao Jo respondeu, dizendo: Tenho ouvido muitas coisas como essas; todos vos sois consoladores molestos. Nao terao fim essas palavras de vento? Ou que e o que te provoca, para assim responderes? Eu tambem poderia falar como vos falais, se vos estivesseis em meu lugar; eu poderia amontoar palavras contra vos, e contra vos menear a minha cabec,a; poderia fortalecer-vos com a minha boca, e a consolac,ao dos meus labios poderia mitigar a vossa dor. Ainda que eu fale, a minha dor nao se mitiga; e embora me cale, qual e o meu alivio? Mas agora, o Deus, me deixaste exausto; assolaste toda a minha companhia. Tu me emagreceste, e isso constitui uma testemunha contra mim; contra mim se levanta a minha magreza, e o meu rosto testifica contra mim. Na sua ira ele me despedac,ou, e me perseguiu; rangeu os dentes contra mim; o meu adversario aguc,a os seus olhos contra mim. Os homens abrem contra mim a boca; com desprezo me ferem nas faces, e contra mim se ajuntam `a uma. Deus me entrega ao impio, nas maos dos iniquos me faz cair. Descansado estava eu, e ele me quebrantou; e pegou-me pelo pescoc,o, e me despedac,ou; colocou-me por seu alvo; cercam-me os seus flecheiros. Atravessa-me os rins, e nao me poupa; derrama o meu fel pela terra. Quebranta-me com golpe sobre golpe; arremete contra mim como um guerreiro. Sobre a minha pele cosi saco, e deitei a minha gloria no po. O meu rosto todo esta inflamado de chorar, e ha sombras escuras sobre as minhas palpebras, embora nao haja violencia nas minhas maos, e seja pura a minha orac,ao. o terra, nao cubras o meu sangue, e nao haja lugar em que seja abafado o meu clamor! Eis que agora mesmo a minha testemunha esta no ceu, e o meu fiador nas alturas. Os meus amigos zombam de mim; mas os meus olhos se desfazem em lagrimas diante de Deus, para que ele defenda o direito que o homem tem diante de Deus e o que o filho do homem tem perante, o seu proximo. Pois quando houver decorrido poucos anos, eu seguirei o caminho por onde nao tornarei.
Capitulo 17. O meu espirito esta quebrantado, os meus dias se extinguem, a sepultura me esta preparada! Deveras estou cercado de zombadores, e os meus olhos contemplam a sua provocac,ao! Da-me, pec,o-te, um penhor, e se o meu fiador para contigo; quem mais ha que me de a mao? Porque aos seus corac,oes encobriste o entendimento, pelo que nao os exaltaras. Quem entrega os seus amigos como presa, os olhos de seus filhos desfalecerao. Mas a mim me pos por motejo dos povos; tornei-me como aquele em cujo rosto se cospe. De magoa se escureceram os meus olhos, e todos os meus membros sao como a sombra. Os retos pasmam disso, e o inocente se levanta contra o impio. Contudo o justo prossegue no seu caminho e o que tem maos puras vai crescendo em forc,a. Mas tornai vos todos, e vinde, e sabio nenhum acharei entre vos. Os meus dias passaram, malograram-se os meus propositos, as aspirac,oes do meu corac,ao. Trocam a noite em dia; dizem que a luz esta perto das trevas. el, Se eu olhar o Seol como a minha casa, se nas trevas estender a minha cama, se eu clamar `a cova: Tu es meu pai; e aos vermes: Vos sois minha mae e minha irma; onde esta entao a minha esperanc,a? Sim, a minha esperanc,a, quem a podera ver? Acaso descera comigo ate os ferrolhos do Seol? Descansaremos juntos no po?
Capitulo 18. Entao respondeu Bildade, o suita: Ate quando estareis `a procura de palavras? considerai bem, e entao falaremos. Por que somos tratados como gado, e como estultos aos vossos olhos? Oh tu, que te despedac,as na tua ira, acaso por amor de ti sera abandonada a terra, ou sera a rocha removida do seu lugar? Na verdade, a luz do impio se apagara, e nao resplandecera a chama do seu fogo. A luz se escurecera na sua tenda, e a lampada que esta sobre ele se apagara. Os seus passos firmes se estreitarao, e o seu proprio conselho o derribara. Pois por seus proprios pes e ele lanc,ado na rede, e pisa nos lac,os armados. A armadilha o apanha pelo calcanhar, e o lac,o o prende; a corda do mesmo esta-lhe escondida na terra, e uma armadilha na vereda. Terrores o amedrontam de todos os lados, e de perto lhe perseguem os pes. O seu vigor e diminuido pela fome, e a destruic,ao esta pronta ao seu lado. Sao devorados os membros do seu corpo; sim, o primogenito da morte devora os seus membros. Arrancado da sua tenda, em que confiava, e levado ao rei dos terrores. Na sua tenda habita o que nao lhe pertence; espalha-se enxofre sobre a sua habitac,ao. Por baixo se secam as suas raizes, e por cima sao cortados os seus ramos. A sua memoria perece da terra, e pelas prac,as nao tem nome. E lanc,ado da luz para as trevas, e afugentado do mundo. Nao tem filho nem neto entre o seu povo, e descendente nenhum lhe ficara nas moradas. Do seu dia pasmam os do ocidente, assim como os do oriente ficam sobressaltados de horror. Tais sao, na verdade, as moradas do, impio, e tal e o lugar daquele que nao conhece a Deus.
Capitulo 19. Entao Jo respondeu: Ate quando afligireis a minha alma, e me atormentareis com palavras? Ja dez vezes me haveis humilhado; nao vos envergonhais de me maltratardes? Embora haja eu, na verdade, errado, comigo fica o meu erro. Se deveras vos quereis engrandecer contra mim, e me incriminar pelo meu oprobrio, sabei entao que Deus e o que transtornou a minha causa, e com a sua rede me cercou. Eis que clamo: Violencia! mas nao sou ouvido; grito: Socorro! mas nao ha justic,a. com muros fechou ele o meu caminho, de modo que nao posso passar; e pos trevas nas minhas veredas. Da minha honra me despojou, e tirou-me da cabec,a a coroa. Quebrou-me de todos os lados, e eu me vou; arrancou a minha esperanc,a, como a, uma arvore. Acende contra mim a sua ira, e me considera como um de seus adversarios. Juntas as suas tropas avanc,am, levantam contra mim o seu caminho, e se acampam ao redor da minha tenda. Ele pos longe de mim os meus irmaos, e os que me conhecem tornaram-se estranhos para mim. Os meus parentes se afastam, e os meus conhecidos se esquecem de, mim. Os meus domesticos e as minhas servas me tem por estranho; vim a ser um estrangeiro aos seus olhos. Chamo ao meu criado, e ele nao me responde; tenho que suplicar-lhe com a minha boca. O meu hAlito e intoleravel `a minha mulher; sou repugnante aos filhos de minha mae. Ate os pequeninos me desprezam; quando me levanto, falam contra mim. Todos os meus amigos intimos me abominam, e ate os que eu amava se tornaram contra mim. Os meus ossos se apegam `a minha pele e `a minha carne, e so escapei com a pele dos meus dentes. Compadecei-vos de mim, amigos meus; compadecei-vos de mim; pois a mao de Deus me tocou. Por que me perseguis assim como Deus, e da minha carne nao vos fartais? Oxala que as minhas palavras fossem escritas! Oxala que fossem gravadas num livro! Que, com pena de ferro, e com chumbo, fossem para sempre esculpidas na rocha! Pois eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantara sobre a terra. E depois de consumida esta minha pele, entao fora da minha carne verei a Deus; ve-lo-ei ao meu lado, e os meus olhos o contemplarao, e nao mais como adversario. O meu corac,ao desfalece dentro de mim! Se disserdes: Como o havemos de perseguir! e que a causa deste mal se acha em mim, temei vos a espada; porque o furor traz os castigos da espada, para saberdes que ha um juizo.
Capitulo 20. Entao respondeu Zofar, o naamatita: Ora, os meus pensamentos me fazem responder, e por isso eu me apresso. Estou ouvindo a tua repreensao, que me envergonha, mas o espirito do meu entendimento responde por mim. Nao sabes tu que desde a antigueidade, desde que o homem foi posto sobre a terra, o triunfo dos iniquos e breve, e a alegria dos impios e apenas dum momento? Ainda que a sua exaltac,ao suba ate o ceu, e a sua cabec,a chegue ate as nuvens, contudo, como o seu proprio esterco, perecera para sempre; e os que o viam perguntarao: Onde esta? Dissipar-se-a como um sonho, e nao sera achado; sera afugentado qual uma visao da noite. Os olhos que o viam nao o verao mais, nem o seu lugar o contemplara mais. Os seus filhos procurarao o favor dos pobres, e as suas maos restituirao os seus lucros ilicitos. Os seus ossos estao cheios do vigor da sua juventude, mas este se deitara com ele no po. Ainda que o mal lhe seja doce na boca, ainda que ele o esconda debaixo da sua lingua, ainda que nao o queira largar, antes o retenha na sua boca, contudo a sua comida se transforma nas suas entranhas; dentro dele se torna em fel de aspides. Engoliu riquezas, mas vomita-las-a; do ventre dele Deus as lanc,ara. Veneno de aspides sorvera, lingua de vibora o matara. Nao vera as correntes, os rios e os ribeiros de mel e de manteiga. O que adquiriu pelo trabalho, isso restituira, e nao o engolira; nao se regozijara conforme a fazenda que ajuntou. Pois que oprimiu e desamparou os pobres, e roubou a casa que nao edificou. Porquanto nao houve limite `a sua cobic,a, nada salvara daquilo em que se deleita. Nada escapou `a sua voracidade; pelo que a sua prosperidade nao perdurara. Na plenitude da sua abastanc,a, estara angustiado; toda a forc,a da miseria vira sobre ele. Mesmo estando ele a encher o seu estomago, Deus mandara sobre ele o ardor da sua ira, que fara chover sobre ele quando for comer. Ainda que fuja das armas de ferro, o arco de bronze o atravessara. Ele arranca do seu corpo a flecha, que sai resplandecente do seu fel; terrores vem sobre ele. Todas as trevas sao reservadas paro os seus tesouros; um fogo nao assoprado o consumira, e devorara o que ficar na sua tenda. Os ceus revelarao a sua iniqueidade, e contra ele a terra se levantara. As rendas de sua casa ir-se-ao; no dia da ira de Deus todas se derramarao. Esta, da parte de Deus, e a porc,ao do impio; esta e a heranc,a que Deus lhe reserva.
Capitulo 21. Entao Jo respondeu: Ouvi atentamente as minhas palavras; seja isto a vossa consolac,ao. Sofrei-me, e eu falarei; e, havendo eu falado, zombai. E porventura do homem que eu me queixo? Mas, ainda que assim fosse, nao teria motivo de me impacientar? Olhai para mim, e pasmai, e ponde a mao sobre a boca. Quando me lembro disto, me perturbo, e a minha carne estremece de horror. Por que razao vivem os impios, envelhecem, e ainda se robustecem em poder? Os seus filhos se estabelecem `a vista deles, e os seus descendentes perante os seus olhos. As suas casas estao em paz, sem temor, e a vara de Deus nao esta sobre eles. O seu touro gera, e nao falha; pare a sua vaca, e nao aborta. Eles fazem sair os seus pequeninos, como a um rebanho, e suas crianc,as andam saltando. Levantam a voz, ao som do tamboril e da harpa, e regozijam-se ao som da flauta. Na prosperidade passam os seus dias, e num momento descem ao Seol. Eles dizem a Deus: retira-te de nos, pois nao desejamos ter conhecimento dos teus caminhos. Que e o Todo-Poderoso, para que nos o sirvamos? E que nos aproveitara, se lhe fizermos orac,oes? Vede, porem, que eles nao tem na mao a prosperidade; esteja longe de mim o conselho dos impios! Quantas vezes sucede que se apague a lampada dos impios? que lhes sobrevenha a sua destruic,ao? que Deus na sua ira lhes reparta dores? que eles sejam como a palha diante do vento, e como a pragana, que o redemoinho arrebata? Deus, dizeis vos, reserva a iniqueidade do pai para seus filhos, mas e a ele mesmo que Deus deveria punir, para que o conhec,a. Vejam os seus proprios olhos a sua ruina, e beba ele do furor do Todo-Poderoso. Pois, que lhe importa a sua casa depois de morto, quando lhe for cortado o numero dos seus meses? Acaso se ensinara ciencia a Deus, a ele que julga os excelsos? Um morre em plena prosperidade, inteiramente sossegado e tranqueilo; com os seus baldes cheios de leite, e a medula dos seus ossos umedecida. Outro, ao contrario, morre em amargura de alma, nao havendo provado do bem. Juntamente jazem no po, e os vermes os cobrem. Eis que conhec,o os vossos pensamentos, e os maus intentos com que me fazeis injustic,a. Pois dizeis: Onde esta a casa do principe, e onde a tenda em que morava o impio? Porventura nao perguntastes aos viandantes? e nao aceitais o seu testemunho, de que o mau e preservado no dia da destruic,ao, e poupado no dia do furor? Quem acusara diante dele o seu caminho? e quem lhe dara o pago do que fez? Ele e levado para a sepultura, e vigiam-lhe o tumulo. Os torroes do vale lhe sao doces, e o seguirao todos os homens, como ele o fez aos inumeraveis que o precederam. Como, pois, me ofereceis consolac,oes vas, quando nas vossas respostas so resta falsidade?
Capitulo 22. Entao respondeu Elifaz, o temanita: Pode o homem ser de algum proveito a Deus? Antes a si mesmo e que o prudente sera proveitoso. Tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou lucro em que tu fac,as perfeitos os teus caminhos? E por causa da tua reverencia que te repreende, ou que entra contigo em juizo? Nao e grande a tua malicia, e sem termo as tuas iniqueidades? Pois sem causa tomaste penhores a teus irmaos e aos nus despojaste dos vestidos. Nao deste ao cansado agua a beber, e ao faminto retiveste o pao. Mas ao poderoso pertencia a terra, e o homem acatado habitava nela. Despediste vazias as viuvas, e os brac,os dos orfaos foram quebrados. Por isso e que estas cercado de lac,os, e te perturba um pavor repentino, ou trevas de modo que nada podes ver, e a inundac,ao de aguas te cobre. Nao esta Deus na altura do ceu? Olha para as mais altas estrelas, quao elevadas estao! E dizes: Que sabe Deus? Pode ele julgar atraves da escuridao? Grossas nuvens o encobrem, de modo que nao pode ver; e ele passeia em volta da abobada do ceu. Queres seguir a vereda antiga, que pisaram os homens iniquos? Os quais foram arrebatados antes do seu tempo; e o seu fundamento se derramou qual um rio. Diziam a Deus: retira-te de nos; e ainda: Que e que o Todo-Poderoso nos pode fazer? Contudo ele encheu de bens as suas casas. Mas longe de mim estejam os conselhos dos impios! Os justos o veem, e se alegram: e os inocentes escarnecem deles, dizendo: Na verdade sao exterminados os nossos adversarios, e o fogo consumiu o que deixaram. Apega-te, pois, a Deus, e tem paz, e assim te sobrevira o bem. Aceita, pec,o-te, a lei da sua boca, e poe as suas palavras no teu corac,ao. Se te voltares para o Todo-Poderoso, seras edificado; se lanc,ares a iniqueidade longe da tua tenda, e deitares o teu tesouro no po, e o ouro de Ofir entre as pedras dos ribeiros, entao o Todo-Poderoso sera o teu tesouro, e a tua prata preciosa. Pois entao te deleitaras no Todo-Poderoso, e levantaras o teu rosto para Deus. Tu oraras a ele, e ele te ouvira; e pagaras os teus votos. Tambem determinaras algum negocio, e ser-te-a firme, e a luz brilhara em teus caminhos. Quando te abaterem, diras: haja exaltac,ao! E Deus salvara ao humilde. E livrara ate o que nao e inocente, que sera libertado pela pureza de tuas maos.
Capitulo 23. Entao Jo respondeu: Ainda hoje a minha queixa esta em amargura; o peso da mao dele e maior do que o meu gemido. Ah, se eu soubesse onde encontra-lo, e pudesse chegar ao seu tribunal! Exporia ante ele a minha causa, e encheria a minha boca de argumentos. Saberia as palavras com que ele me respondesse, e entenderia o que me dissesse. Acaso contenderia ele comigo segundo a grandeza do seu poder? Nao; antes ele me daria ouvidos. Ali o reto pleitearia com ele, e eu seria absolvido para sempre por meu Juiz. Eis que vou adiante, mas nao esta ali; volto para tras, e nao o percebo; procuro-o `a esquerda, onde ele opera, mas nao o vejo; viro-me para a direita, e nao o diviso. Mas ele sabe o caminho por que eu ando; provando-me ele, sairei como o ouro. Os meus pes se mantiveram nas suas pisadas; guardei o seu caminho, e nao me desviei dele. Nunca me apartei do preceito dos seus labios, e escondi no meu peito as palavras da sua boca. Mas ele esta resolvido; quem entao pode desvia-lo? E o que ele quiser, isso fara. Pois cumprira o que esta ordenado a meu respeito, e muitas coisas como estas ainda tem consigo. Por isso me perturbo diante dele; e quando considero, tenho medo dele. Deus macerou o meu corac,ao; o Todo-Poderoso me perturbou. Pois nao estou desfalecido por causa das trevas, nem porque a escuridao cobre o meu rosto.
Capitulo 24. Por que o Todo-Poderoso nao designa tempos? e por que os que o conhecem nao veem os seus dias? Ha os que removem os limites; roubam os rebanhos, e os apascentam. Levam o jumento do orfao, tomam em penhor o boi da viuva. Desviam do caminho os necessitados; e os oprimidos da terra juntos se escondem. Eis que, como jumentos monteses no deserto, saem eles ao seu trabalho, procurando no ermo a presa que lhes sirva de sustento para seus filhos. No campo segam o seu pasto, e vindimam a vinha do impio. Passam a noite nus, sem roupa, nao tendo coberta contra o frio. Pelas chuvas das montanhas sao molhados e, por falta de abrigo, abrac,am-se com as rochas. Ha os que arrancam do peito o orfao, e tomam o penhor do pobre; fazem que estes andem nus, sem roupa, e, embora famintos, carreguem os molhos. Espremem o azeite dentro dos muros daqueles homens; pisam os seus lagares, e ainda tem sede. Dentro das cidades gemem os moribundos, e a alma dos feridos clama; e contudo Deus nao considera o seu clamor. Ha os que se revoltam contra a luz; nao conhecem os caminhos dela, e nao permanecem nas suas veredas. O homicida se levanta de madrugada, mata o pobre e o necessitado, e de noite torna-se ladrao. Tambem os olhos do adultero aguardam o crepusculo, dizendo: Ninguem me vera; e disfarc,a o rosto. Nas trevas minam as casas; de dia se conservam encerrados; nao conhecem a luz. Pois para eles a profunda escuridao e a sua manha; porque sao amigos das trevas espessas. Sao levados ligeiramente sobre a face das aguas; maldita e a sua porc,ao sobre a terra; nao tornam pelo caminho das vinhas. A sequidao e o calor desfazem as, aguas da neve; assim faz o Seol aos que pecaram. A madre se esquecera dele; os vermes o comerao gostosamente; nao sera mais lembrado; e a iniqueidade se quebrara como arvore. Ele despoja a esteril que nao da `a luz, e nao faz bem `a viuva. Todavia Deus prolonga a vida dos valentes com a sua forc,a; levantam-se quando haviam desesperado da vida. Se ele lhes da descanso, estribam-se, nisso; e os seus olhos estao sobre os caminhos deles. Eles se exaltam, mas logo desaparecem; sao abatidos, colhidos como os demais, e cortados como as espigas do trigo. Se nao e assim, quem me desmentira e desfara as minhas palavras?
Capitulo 25. Entao respondeu Bildade, o suita: Com Deus estao dominio e temor; ele faz reinar a paz nas suas alturas. Acaso tem numero os seus exercitos? E sobre quem nao se levanta a sua luz? Como, pois, pode o homem ser justo diante de Deus, e como pode ser puro aquele que nasce da mulher? Eis que ate a lua nao tem brilho, e as estrelas nao sao puras aos olhos dele; quanto menos o homem, que e um verme, e o filho do homem, que e um vermezinho!
Capitulo 26. Entao Jo respondeu: Como tens ajudado ao que nao tem forc,a e sustentado o brac,o que nao tem vigor! como tens aconselhado ao que nao tem sabedoria, e plenamente tens revelado o verdadeiro conhecimento! Para quem proferiste palavras? E de quem e o espirito que saiu de ti? Os mortos tremem debaixo das aguas, com os que ali habitam. O Seol esta nu perante Deus, e nao ha coberta para o Abadom. Ele estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada. Prende as aguas em suas densas nuvens, e a nuvem nao se rasga debaixo delas. Encobre a face do seu trono, e sobre ele estende a sua nuvem. Marcou um limite circular sobre a superficie das aguas, onde a luz e as trevas se confinam. As colunas do ceu tremem, e se espantam da sua ameac,a. Com o seu poder fez sossegar o mar, e com o seu entendimento abateu a Raabe. Pelo seu sopro ornou o ceu; a sua mao traspassou a serpente veloz. Eis que essas coisas sao apenas as orlas dos seus caminhos; e quao pequeno e o sussurro que dele, ouvimos! Mas o trovao do seu poder, quem o podera entender?
Capitulo 27. E prosseguindo Jo em seu discurso, disse: Vive Deus, que me tirou o direito, e o Todo-Poderoso, que me amargurou a alma; enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz, nao falarao os meus labios iniqueidade, nem a minha lingua pronunciara engano. Longe de mim que eu vos de razao; ate que eu morra, nunca apartarei de mim a minha integridade. e minha justic,a me apegarei e nao a largarei; o meu corac,ao nao reprova dia algum da minha vida. Seja como o impio o meu inimigo, e como o perverso aquele que se levantar contra mim. Pois qual e a esperanc,a do impio, quando Deus o cortar, quando Deus lhe arrebatar a alma? Acaso Deus lhe ouvira o clamor, sobrevindo-lhe a tribulac,ao? Deleitar-se-a no Todo-Poderoso, ou invocara a Deus em todo o tempo? Ensinar-vos-ei acerca do poder de Deus, e nao vos encobrirei o que esta com o Todo-Poderoso. Eis que todos vos ja vistes isso; por que, pois, vos entregais completamente `a vaidade? Esta e da parte de Deus a porc,ao do impio, e a heranc,a que os opressores recebem do Todo-Poderoso: Se os seus filhos se multiplicarem, sera para a espada; e a sua prole nao se fartara de pao. Os que ficarem dele, pela peste serao sepultados, e as suas viuvas nao chorarao. Embora amontoe prata como po, e acumule vestes como barro, ele as pode acumular, mas o justo as vestira, e o inocente repartira a prata. A casa que ele edifica e como a teia da aranha, e como a cabana que o guarda faz. Rico se deita, mas nao o fara mais; abre os seus olhos, e ja se foi a sua riqueza. Pavores o alcanc,am como um diluvio; de noite o arrebata a tempestade. O vento oriental leva-o, e ele se vai; sim, varre-o com impeto do seu lugar: Pois atira contra ele, e nao o poupa, e ele foge precipitadamente do seu poder. Bate palmas contra ele, e assobia contra ele do seu lugar.
Capitulo 28. Na verdade, ha minas donde se extrai a prata, e tambem lugar onde se refina o ouro: O ferro tira-se da terra, e da pedra se funde o cobre. Os homens poem termo `as trevas, e ate os ultimos confins exploram as pedras na escuridao e nas trevas mais densas. Abrem um poc,o de mina longe do lugar onde habitam; sao esquecidos pelos viajantes, ficando pendentes longe dos homens, e oscilam de um lado para o outro. Quanto `a terra, dela procede o pao, mas por baixo e revolvida como por fogo. As suas pedras sao o lugar de safiras, e tem po de ouro. A ave de rapina nao conhece essa vereda, e nao a viram os olhos do falcao. Nunca a pisaram feras altivas, nem o feroz leao passou por ela. O homem estende a mao contra a pederneira, e revolve os montes desde as suas raizes. Corta canais nas pedras, e os seus olhos descobrem todas as coisas preciosas. Ele tapa os veios d'agua para que nao gotejem; e tira para a luz o que estava escondido. Mas onde se achara a sabedoria? E onde esta o lugar do entendimento? O homem nao lhe conhece o caminho; nem se acha ela na terra dos viventes. O abismo diz: Nao esta em mim; e o mar diz: Ela nao esta comigo. Nao pode ser comprada com ouro fino, nem a peso de prata se trocara. Nem se pode avaliar em ouro fino de Ofir, nem em pedras preciosas de berilo, ou safira. Com ela nao se pode comparar o ouro ou o vidro; nem se trocara por joias de ouro fino. Nao se fara menc,ao de coral nem de cristal; porque a aquisic,ao da sabedoria e melhor que a das perolas. Nao se lhe igualara o topazio da Etiopia, nem se pode comprar por ouro puro. Donde, pois, vem a sabedoria? Onde esta o lugar do entendimento? Esta encoberta aos olhos de todo vivente, e oculta `as aves do ceu. O Abadom e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos um rumor dela. Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar. Porque ele perscruta ate as extremidades da terra, sim, ele ve tudo o que ha debaixo do ceu. Quando regulou o peso do vento, e fixou a medida das aguas; quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relampago dos trovoes; entao viu a sabedoria e a manifestou; estabeleceu-a, e tambem a esquadrinhou. E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor e a sabedoria, e o apartar-se do mal e o entendimento.
Capitulo 29. E prosseguindo Jo no seu discurso, disse: Ah! quem me dera ser como eu fui nos meses do passado, como nos dias em que Deus me guardava; quando a sua lampada luzia sobre o minha cabec,a, e eu com a sua luz caminhava atraves das trevas; como era nos dias do meu vigor, quando o intimo favor de Deus estava sobre a minha tenda; quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus filhos em redor de mim; quando os meus passos eram banhados em leite, e a rocha me deitava ribeiros de azeite! Quando eu saia para a porta da cidade, e na prac,a preparava a minha cadeira, os moc,os me viam e se escondiam, e os idosos se levantavam e se punham em pe; os principes continham as suas palavras, e punham a mao sobre a sua boca; a voz dos nobres emudecia, e a lingua se lhes pegava ao paladar. Pois, ouvindo-me algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; e vendo-me algum olho, dava testemunho de mim; porque eu livrava o miseravel que clamava, e o orfao que nao tinha quem o socorresse. A benc,ao do que estava a perecer vinha sobre mim, e eu fazia rejubilar-se o corac,ao da viuva. vestia-me da retidao, e ela se vestia de mim; como manto e diadema era a minha justic,a. Fazia-me olhos para o cego, e pes para o coxo; dos necessitados era pai, e a causa do que me era desconhecido examinava com diligencia. E quebrava os caninos do perverso, e arrancava-lhe a presa dentre os dentes. Entao dizia eu: No meu ninho expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia; as minhas raizes se estendem ate as aguas, e o orvalho fica a noite toda sobre os meus ramos; a minha honra se renova em mim, e o meu arco se revigora na minha mao. A mim me ouviam e esperavam, e em silencio atendiam ao meu conselho. Depois de eu falar, nada replicavam, e minha palavra destilava sobre eles; esperavam-me como `a chuva; e abriam a sua boca como `a chuva tardia. Eu lhes sorria quando nao tinham confianc,a; e nao desprezavam a luz do meu rosto; eu lhes escolhia o caminho, assentava-me como chefe, e habitava como rei entre as suas tropas, como aquele que consola os aflitos.
Capitulo 30. Mas agora zombam de mim os de menos idade do que eu, cujos pais teria eu desdenhado de por com os caes do meu rebanho. Pois de que me serviria a forc,a das suas maos, homens nos quais ja pereceu o vigor? De mingua e fome emagrecem; andam roendo pelo deserto, lugar de ruinas e desolac,ao. Apanham malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento sao as raizes dos zimbros. Sao expulsos do meio dos homens, que gritam atras deles, como atras de um ladrao. Tem que habitar nos desfiladeiros sombrios, nas cavernas da terra e dos penhascos. Bramam entre os arbustos, ajuntam-se debaixo das urtigas. Sao filhos de insensatos, filhos de gente sem nome; da terra foram enxotados. Mas agora vim a ser a sua canc,ao, e lhes sirvo de proverbio. Eles me abominam, afastam-se de mim, e no meu rosto nao se privam de cuspir. Porquanto Deus desatou a minha corda e me humilhou, eles sacudiram de si o freio perante o meu rosto. e direita levanta-se gente vil; empurram os meus pes, e contra mim erigem os seus caminhos de destruic,ao. Estragam a minha vereda, promovem a minha calamidade; nao ha quem os detenha. Vem como por uma grande brecha, por entre as ruinas se precipitam. Sobrevieram-me pavores; e perseguida a minha honra como pelo vento; e como nuvem passou a minha felicidade. E agora dentro de mim se derrama a minha alma; os dias da aflic,ao se apoderaram de mim. De noite me sao traspassados os ossos, e o mal que me corroi nao descansa. Pela violencia do mal esta desfigurada a minha veste; como a gola da minha tunica, me aperta. Ele me lanc,ou na lama, e fiquei semelhante ao po e `a cinza. Clamo a ti, e nao me respondes; ponho-me em pe, e nao atentas para mim. Tornas-te cruel para comigo; com a forc,a da tua mao me persegues. Levantas-me sobre o vento, fazes-me cavalgar sobre ele, e dissolves-me na tempestade. Pois eu sei que me levaras `a morte, e `a casa do ajuntamento destinada a todos os viventes. Contudo nao estende a mao quem esta a cair? ou nao clama por socorro na sua calamidade? Nao chorava eu sobre aquele que estava aflito? ou nao se angustiava a minha alma pelo necessitado? Todavia aguardando eu o bem, eis que me veio o mal, e esperando eu a luz, veio a escuridao. As minhas entranhas fervem e nao descansam; os dias da aflic,ao me surpreenderam. Denegrido ando, mas nao do sol; levanto-me na congregac,ao, e clamo por socorro. Tornei-me irmao dos chacais, e companheiro dos avestruzes. A minha pele enegrece e se me cai, e os meus ossos estao queimados do calor. Pelo que se tornou em pranto a minha harpa, e a minha flauta em voz dos que choram.
Capitulo 31. Fiz pacto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem? Pois que porc,ao teria eu de Deus la de cima, e que heranc,a do Todo-Poderoso la do alto? Nao e a destruic,ao para o perverso, e o desastre para os obradores da iniqueidade? Nao ve ele os meus caminhos, e nao conta todos os meus passos? Se eu tenho andado com falsidade, e se o meu pe se tem apressado apos o engano (pese-me Deus em balanc,as fieis, e conhec,a a minha integridade); se os meus passos se tem desviado do caminho, e se o meu corac,ao tem seguido os meus olhos, e se qualquer mancha se tem pegado `as minhas maos; entao semeie eu e outro coma, e seja arrancado o produto do meu campo. Se o meu corac,ao se deixou seduzir por causa duma mulher, ou se eu tenho armado traic,ao `a porta do meu proximo, entao moa minha mulher para outro, e outros se encurvem sobre ela. Pois isso seria um crime infame; sim, isso seria uma iniqueidade para ser punida pelos juizes; porque seria fogo que consome ate Abadom, e desarraigaria toda a minha renda. Se desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles pleitearam comigo, entao que faria eu quando Deus se levantasse? E quando ele me viesse inquirir, que lhe responderia? Aquele que me formou no ventre nao o fez tambem a meu servo? E nao foi um que nos plasmou na madre? Se tenho negado aos pobres o que desejavam, ou feito desfalecer os olhos da viuva, ou se tenho comido sozinho o meu bocado, e nao tem comido dele o orfao tambem (pois desde a minha mocidade o orfao cresceu comigo como com seu pai, e a viuva, tenho-a guiado desde o ventre de minha mae); se tenho visto alguem perecer por falta de roupa, ou o necessitado nao ter com que se cobrir; se os seus lombos nao me abenc,oaram, se ele nao se aquentava com os velos dos meus cordeiros; se levantei a minha mao contra o orfao, porque na porta via a minha ajuda; entao caia do ombro a minha espadua, e separe-se o meu brac,o da sua juntura. Pois a calamidade vinda de Deus seria para mim um horror, e eu nao poderia suportar a sua majestade. Se do ouro fiz a minha esperanc,a, ou disse ao ouro fino: Tu es a minha confianc,a; se me regozijei por ser grande a minha riqueza, e por ter a minha mao alcanc,a o muito; se olhei para o sol, quando resplandecia, ou para a lua, quando ela caminhava em esplendor, e o meu corac,ao se deixou enganar em oculto, e a minha boca beijou a minha mao; isso tambem seria uma iniqueidade para ser punida pelos juizes; pois assim teria negado a Deus que esta la em cima. Se me regozijei com a ruina do que me tem odio, e se exultei quando o mal lhe sobreveio (mas eu nao deixei pecar a minha boca, pedindo com imprecac,ao a sua morte); se as pessoas da minha tenda nao disseram: Quem ha que nao se tenha saciado com carne provida por ele? O estrangeiro nao passava a noite na rua; mas eu abria as minhas portas ao viandante; se, como Adao, encobri as minhas transgressoes, ocultando a minha iniqueidade no meu seio, porque tinha medo da grande multidao, e o desprezo das familias me aterrorizava, de modo que me calei, e nao sai da porta... Ah! quem me dera um que me ouvisse! Eis a minha defesa, que me responda o Todo-Poderoso! Oxala tivesse eu a acusac,ao escrita pelo meu adversario! Por certo eu a levaria sobre o ombro, sobre mim a ataria como coroa. Eu lhe daria conta dos meus passos; como principe me chegaria a ele Se a minha terra clamar contra mim, e se os seus sulcos juntamente chorarem; se comi os seus frutos sem dinheiro, ou se fiz que morressem os seus donos; por trigo me produza cardos, e por cevada joio. Acabaram-se as palavras de Jo.
Capitulo 32. E aqueles tres homens cessaram de responder a Jo; porque era justo aos seus proprios olhos. Entao se acendeu a ira de Eliu, filho de Baraquel, o buzita, da familia de Rao; acendeu-se a sua ira contra Jo, porque este se justificava a si mesmo, e nao a Deus. Tambem contra os seus tres amigos se acendeu a sua ira, porque nao tinham achado o que responder, e contudo tinham condenado a Jo. Ora, Eliu havia esperado para falar a Jo, porque eles eram mais idosos do que ele. Quando, pois, Eliu viu que nao havia resposta na boca daqueles tres homens, acendeu-se-lhe a ira. Entao respondeu Eliu, filho de Baraquel, o buzita, dizendo: Eu sou de pouca idade, e vos sois, idosos; arreceei-me e temi de vos declarar a minha opiniao. Dizia eu: Falem os dias, e a multidao dos anos ensine a sabedoria. Ha, porem, um espirito no homem, e o sopro do Todo-Poderoso o faz entendido. Nao sao os velhos que sao os sabios, nem os anciaos que entendem o que e reto. Pelo que digo: Ouvi-me, e tambem eu declararei a minha opiniao. Eis que aguardei as vossas palavras, escutei as vossas considerac,oes, enquanto buscaveis o que dizer. Eu, pois, vos prestava toda a minha atenc,ao, e eis que nao houve entre vos quem convencesse a Jo, nem quem respondesse `as suas palavras; pelo que nao digais: Achamos a sabedoria; Deus e que pode derruba-lo, e nao o homem. Ora ele nao dirigiu contra mim palavra alguma, nem lhe responderei com as vossas palavras. Estao pasmados, nao respondem mais; faltam-lhes as palavras. Hei de eu esperar, porque eles nao falam, porque ja pararam, e nao respondem mais? Eu tambem darei a minha resposta; eu tambem declararei a minha opiniao. Pois estou cheio de palavras; o espirito dentro de mim me constrange. Eis que o meu peito e como o mosto, sem respiradouro, como odres novos que estao para arrebentar. Falarei, para que ache alivio; abrirei os meus labios e responderei: Que nao fac,a eu acepc,ao de pessoas, nem use de lisonjas para com o homem. Porque nao sei usar de lisonjas; do contrario, em breve me levaria o meu Criador.
Capitulo 33. Ouve, pois, as minhas palavras, o Jo, e da ouvidos a todas as minhas declarac,oes. Eis que ja abri a minha boca; ja falou a minha lingua debaixo do meu paladar. As minhas palavras declaram a integridade do meu corac,ao, e os meus labios falam com sinceridade o que sabem. O Espirito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me da vida. Se podes, responde-me; poe as tuas palavras em ordem diante de mim; apresenta-te. Eis que diante de Deus sou o que tu es; eu tambem fui formado do barro. Eis que nao te perturbara nenhum medo de mim, nem sera pesada sobre ti a minha mao. Na verdade tu falaste aos meus ouvidos, e eu ouvi a voz das tuas palavras. Dizias: Limpo estou, sem transgressao; puro sou, e nao ha em mim iniqueidade. Eis que Deus procura motivos de inimizade contra mim, e me considera como o seu inimigo. Poe no tronco os meus pes, e observa todas as minhas veredas. Eis que nisso nao tens razao; eu te responderei; porque Deus e maior do que o homem. Por que razao contendes com ele por nao dar conta dos seus atos? Pois Deus fala de um modo, e ainda de outro se o homem nao lhe atende. Em sonho ou em visao de noite, quando cai sono profundo sobre os homens, quando adormecem na cama; entao abre os ouvidos dos homens, e os atemoriza com avisos, para apartar o homem do seu designio, e esconder do homem a soberba; para reter a sua alma da cova, e a sua vida de passar pela espada. Tambem e castigado na sua cama com dores, e com incessante contenda nos seus ossos; de modo que a sua vida abomina o pao, e a sua alma a comida apetecivel. Consome-se a sua carne, de maneira que desaparece, e os seus ossos, que nao se viam, agora aparecem. A sua alma se vai chegando `a cova, e a sua vida aos que trazem a morte. Se com ele, pois, houver um anjo, um interprete, um entre mil, para declarar ao homem o que lhe e justo, entao tera compaixao dele, e lhe dira: Livra-o, para que nao desc,a `a cova; ja achei resgate. Sua carne se reverdecera mais do que na sua infancia; e ele tornara aos dias da sua juventude. Deveras orara a Deus, que lhe sera propicio, e o fara ver a sua face com jubilo, e restituira ao homem a sua justic,a. Cantara diante dos homens, e dira: Pequei, e perverti o direito, o que de nada me aproveitou. Mas Deus livrou a minha alma de ir para a cova, e a minha vida vera a luz. Eis que tudo isto Deus faz duas e tres vezes para com o homem, para reconduzir a sua alma da cova, a fim de que seja iluminado com a luz dos viventes. Escuta, pois, o Jo, ouve-me; cala-te, e eu falarei. Se tens alguma coisa que dizer, responde-me; fala, porque desejo justificar-te. Se nao, escuta-me tu; cala-te, e ensinar-te-ei a sabedoria.
Capitulo 34. Prosseguiu Eliu, dizendo: Ouvi, vos, sabios, as minhas palavras; e vos, entendidos, inclinai os ouvidos para mim. Pois o ouvido prova as palavras, como o paladar experimenta a comida. O que e direito escolhamos para nos; e conhec,amos entre nos o que e bom. Pois Jo disse: Sou justo, e Deus tirou-me o direito. Apesar do meu direito, sou considerado mentiroso; a minha ferida e incuravel, embora eu esteja sem transgressao. Que homem ha como Jo, que bebe o escarnio como agua, que anda na companhia dos malfeitores, e caminha com homens impios? Porque disse: De nada aproveita ao homem o comprazer-se em Deus. Pelo que ouvi-me, vos homens de entendimento: longe de Deus o praticar a maldade, e do Todo-Poderoso o cometer a iniqueidade! Pois, segundo a obra do homem, ele lhe retribui, e faz a cada um segundo o seu caminho. Na verdade, Deus nao procedera impiamente, nem o Todo-Poderoso pervertera o juizo. Quem lhe entregou o governo da terra? E quem lhe deu autoridade sobre o mundo todo? Se ele retirasse para si o seu espirito, e recolhesse para si o seu folego, toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o po. Se, pois, ha em ti entendimento, ouve isto, inclina os ouvidos `as palavras que profiro. Acaso quem odeia o direito governara? Quereras tu condenar aquele que e justo e poderoso? aquele que diz a um rei: o vil? e aos principes: o impios? que nao faz acepc,ao das pessoas de principes, nem estima o rico mais do que o pobre; porque todos sao obra de suas maos? Eles num momento morrem; e `a meia-noite os povos sao perturbados, e passam, e os poderosos sao levados nao por mao humana. Porque os seus olhos estao sobre os caminhos de cada um, e ele ve todos os seus passos. Nao ha escuridao nem densas trevas, onde se escondam os obradores da iniqueidade. Porque Deus nao precisa observar por muito tempo o homem para que este comparec,a perante ele em juizo. Ele quebranta os fortes, sem inquiric,ao, e poe outros em lugar deles. Pois conhecendo ele as suas obras, de noite os transtorna, e ficam esmagados. Ele os fere como impios, `a vista dos circunstantes; porquanto se desviaram dele, e nao quiseram compreender nenhum de seus caminhos, de sorte que o clamor do pobre subisse ate ele, e que ouvisse o clamor dos aflitos. Se ele da tranqueilidade, quem entao o condenara? Se ele encobrir o rosto, quem entao o podera contemplar, quer seja uma nac,ao, quer seja um homem so? para que o impio nao reine, e nao haja quem iluda o povo. Pois, quem jamais disse a Deus: Sofri, ainda que nao pequei; o que nao vejo, ensina-me tu; se fiz alguma maldade, nunca mais a hei de fazer? Sera a sua recompensa como queres, para que a recuses? Pois tu tens que fazer a escolha, e nao eu; portanto fala o que sabes. Os homens de entendimento dir-me-ao, e o varao sabio, que me ouvir: Jo fala sem conhecimento, e `as suas palavras falta sabedoria. Oxala que Jo fosse provado ate o fim; porque responde como os iniquos. Porque ao seu pecado acrescenta a rebeliao; entre nos bate as palmas, e multiplica contra Deus as suas palavras.
Capitulo 35. Disse mais Eliu: Tens por direito dizeres: Maior e a minha justic,a do que a de Deus? Porque dizes: Que me aproveita? Que proveito tenho mais do que se eu tivera pecado? Eu te darei respostas, a ti e aos teus amigos contigo. Atenta para os ceus, e ve; e contempla o firmamento que e mais alto do que tu. Se pecares, que efetuaras contra ele? Se as tuas transgressoes se multiplicarem, que lhe faras com isso? Se fores justo, que lhe daras, ou que recebera ele da tua mao? A tua impiedade poderia fazer mal a outro tal como tu; e a tua justic,a poderia aproveitar a um filho do homem. Por causa da multidao das opressoes os homens clamam; clamam por socorro por causa do brac,o dos poderosos. Mas ninguem diz: Onde esta Deus meu Criador, que inspira canc,oes durante a noite; que nos ensina mais do que aos animais da terra, e nos faz mais sabios do que as aves do ceu? Ali clamam, porem ele nao responde, por causa da arrogancia os maus. Certo e que Deus nao ouve o grito da vaidade, nem para ela atentara o Todo-Poderoso. Quanto menos quando tu dizes que nao o ves. A causa esta perante ele; por isso espera nele. Mas agora, porque a sua ira ainda nao se exerce, nem grandemente considera ele a arrogancia, por isso abre Jo em vao a sua boca, e sem conhecimento multiplica palavras.
Capitulo 36. Prosseguiu ainda Eliu e disse: Espera-me um pouco, e mostrar-te-ei que ainda ha razoes a favor de Deus. De longe trarei o meu conhecimento, e ao meu criador atribuirei a justic,a. Pois, na verdade, as minhas palavras nao serao falsas; contigo esta um que tem perfeito conhecimento. Eis que Deus e mui poderoso, contudo a ninguem despre grande e no poder de entendimento. Ele nao preserva a vida do impio, mas faz justic,a aos aflitos. Do justo nao aparta os seus olhos; antes com os reis no trono os faz sentar para sempre, e assim sao exaltados. E se estao presos em grilhoes, e amarrados com cordas de aflic,ao, entao lhes faz saber a obra deles, e as suas transgressoes, porquanto se tem portado com soberba. E abre-lhes o ouvido para a instruc,ao, e ordena que se convertam da iniqueidade. Se o ouvirem, e o servirem, acabarao seus dias em prosperidade, e os seus anos em delicias. Mas se nao o ouvirem, `a espada serao passados, e expirarao sem conhecimento. Assim os impios de corac,ao amontoam, a sua ira; e quando Deus os poe em grilhoes, nao clamam por socorro. Eles morrem na mocidade, e a sua vida perece entre as prostitutas. Ao aflito livra por meio da sua aflic,ao, e por meio da opressao lhe abre os ouvidos. Assim tambem quer induzir-te da angustia para um lugar espac,oso, em que nao ha aperto; e as iguarias da tua mesa serao cheias de gordura. Mas tu estas cheio do juizo do impio; o juizo e a justic,a tomam conta de ti. Cuida, pois, para que a ira nao te induza a escarnecer, nem te desvie a grandeza do resgate. Prevalecera o teu clamor, ou todas as forc,as da tua fortaleza, para que nao estejas em aperto? Nao suspires pela noite, em que os povos sejam tomados do seu lugar. Guarda-te, e nao declines para a iniqueidade; porquanto isso escolheste antes que a aflic,ao. Eis que Deus e excelso em seu poder; quem e ensinador como ele? Quem lhe prescreveu o seu caminho? Ou quem podera dizer: Tu praticaste a injustic,a? Lembra-te de engrandecer a sua obra, de que tem cantado os homens. Todos os homens a veem; de longe a contempla o homem. Eis que Deus e grande, e nos nao o conhecemos, e o numero dos seus anos nao se pode esquadrinhar. Pois atrai a si as gotas de agua, e do seu vapor as destila em chuva, que as nuvens derramam e gotejam abundantemente sobre o homem. Podera alguem entender as dilatac,oes das nuvens, e os trovoes do seu pavilhao? Eis que ao redor de si estende a sua luz, e cobre o fundo do mar. Pois por estas coisas julga os povos e lhes da mantimento em abundancia. Cobre as maos com o relampago, e da-lhe ordem para que fira o alvo. O fragor da tempestade da noticia dele; ate o gado pressente a sua aproximac,ao.
Capitulo 37. Sobre isso tambem treme o meu corac,ao, e salta do seu lugar. Dai atentamente ouvidos ao estrondo da voz de Deus e ao sonido que sai da sua boca. Ele o envia por debaixo de todo o ceu, e o seu relampago ate os confins da terra. Depois do relampago ruge uma grande voz; ele troveja com a sua voz majestosa; e nao retarda os raios, quando e ouvida a sua voz. Com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas, que nos nao compreendemos. Pois `a neve diz: Cai sobre a terra; como tambem `as chuvas e aos aguaceiros: Sede copiosos. Ele sela as maos de todo homem, para que todos saibam que ele os fez. E as feras entram nos esconderijos e ficam nos seus covis. Da recamara do sul sai o tufao, e do norte o frio. Ao sopro de Deus forma-se o gelo, e as largas aguas sao congeladas. Tambem de umidade carrega as grossas nuvens; as nuvens espalham relampagos. Fazem evoluc,oes sob a sua direc,ao, para efetuar tudo quanto lhes ordena sobre a superficie do mundo habitavel: seja para disciplina, ou para a sua terra, ou para beneficencia, que as fac,a vir. A isto, Jo, inclina os teus ouvidos; para e considera as obras maravilhosas de Deus. Sabes tu como Deus lhes da as suas ordens, e faz resplandecer o relampago da sua nuvem? Compreendes o equilibrio das nuvens, e as maravilhas daquele que e perfeito nos conhecimentos; tu cujas vestes sao quentes, quando ha calma sobre a terra por causa do vento sul? Acaso podes, como ele, estender o firmamento, que e solido como um espelho fundido? Ensina-nos o que lhe diremos; pois nos nada poderemos por em boa ordem, por causa das trevas. Contar-lhe-ia alguem que eu quero falar. Ou desejaria um homem ser devorado? E agora o homem nao pode olhar para o sol, que resplandece no ceu quando o vento, tendo passado, o deixa limpo. Do norte vem o aureo esplendor; em Deus ha tremenda majestade. Quanto ao Todo-Poderoso, nao o podemos compreender; grande e em poder e justic,a e pleno de retidao; a ninguem, pois, oprimira. Por isso o temem os homens; ele nao respeita os que se julgam sabios.
Capitulo 38. Depois disso o Senhor respondeu a Jo dum redemoinho, dizendo: Quem e este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento? Agora cinge os teus lombos, como homem; porque te perguntarei, e tu me responderas. Onde estavas tu, quando eu lanc,ava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento. Quem lhe fixou as medidas, se e que o sabes? ou quem a mediu com o cordel? Sobre que foram firmadas as suas bases, ou quem lhe assentou a pedra de esquina, quando juntas cantavam as estrelas da manha, e todos os filhos de Deus bradavam de jubilo? Ou quem encerrou com portas o mar, quando este rompeu e saiu da madre; quando eu lhe pus nuvens por vestidura, e escuridao por faixas, e lhe tracei limites, pondo-lhe portas e ferrolhos, e lhe disse: Ate aqui viras, porem nao mais adiante; e aqui se quebrarao as tuas ondas orgulhosas? Desde que comec,aram os teus dias, deste tu ordem `a madrugada, ou mostraste `a alva o seu lugar, para que agarrasse nas extremidades da terra, e os impios fossem sacudidos dela? A terra se transforma como o barro sob o selo; e todas as coisas se assinalam como as cores dum vestido. E dos impios e retirada a sua luz, e o brac,o altivo se quebranta. Acaso tu entraste ate os mananciais do mar, ou passeaste pelos recessos do abismo? Ou foram-te descobertas as portas da morte, ou viste as portas da sombra da morte? Compreendeste a largura da terra? Faze-mo saber, se sabes tudo isso. Onde esta o caminho para a morada da luz? E, quanto `as trevas, onde esta o seu lugar, para que `as tragas aos seus limites, e para que saibas as veredas para a sua casa? De certo tu o sabes, porque ja entao eras nascido, e porque e grande o numero dos teus dias! Acaso entraste nos tesouros da neve, e viste os tesouros da saraiva, que eu tenho reservado para o tempo da angustia, para o dia da peleja e da guerra? Onde esta o caminho para o lugar em que se reparte a luz, e se espalha o vento oriental sobre a terra? Quem abriu canais para o aguaceiro, e um caminho para o relampago do trovao; para fazer cair chuva numa terra, onde nao ha ninguem, e no deserto, em que nao ha gente; para fartar a terra deserta e assolada, e para fazer crescer a tenra relva? A chuva porventura tem pai? Ou quem gerou as gotas do orvalho? Do ventre de quem saiu o gelo? E quem gerou a geada do ceu? Como pedra as aguas se endurecem, e a superficie do abismo se congela. Podes atar as cadeias das Pleiades, ou soltar os atilhos do Oriom? Ou fazer sair as constelac,oes a seu tempo, e guiar a ursa com seus filhos? Sabes tu as ordenanc,as dos ceus, ou podes estabelecer o seu dominio sobre a terra? Ou podes levantar a tua voz ate as nuvens, para que a abundancia das aguas te cubra? Ou ordenaras aos raios de modo que saiam? Eles te dirao: Eis-nos aqui? Quem pos sabedoria nas densas nuvens, ou quem deu entendimento ao meteoro? Quem numerara as nuvens pela sabedoria? Ou os odres do ceu, quem os esvaziara, quando se funde o po em massa, e se pegam os torroes uns aos outros? Podes cac,ar presa para a leoa, ou satisfazer a fome dos filhos dos leoes, quando se agacham nos covis, e estao `a espreita nas covas? Quem prepara ao corvo o seu alimento, quando os seus pintainhos clamam a Deus e andam vagueando, por nao terem o que comer?
Capitulo 39. Sabes tu o tempo do parto das cabras montesas, ou podes observar quando e que parem as corc,as? Podes contar os meses que cumprem, ou sabes o tempo do seu parto? Encurvam-se, dao `a luz as suas crias, lanc,am de si a sua prole. Seus filhos enrijam, crescem no campo livre; saem, e nao tornam para elas: Quem despediu livre o jumento montes, e quem soltou as prisoes ao asno veloz, ao qual dei o ermo por casa, e a terra salgada por morada? Ele despreza o tumulto da cidade; nao obedece os gritos do condutor. O circuito das montanhas e o seu pasto, e anda buscando tudo o que esta verde. Querera o boi selvagem servir-te? ou ficara junto `a tua manjedoura? Podes amarrar o boi selvagem ao arado com uma corda, ou esterroara ele apos ti os vales? Ou confiaras nele, por ser grande a sua forc,a, ou deixaras a seu cargo o teu trabalho? Fiaras dele que te torne o que semeaste e o recolha `a tua eira? Movem-se alegremente as asas da avestruz; mas e benigno o adorno da sua plumagem? Pois ela deixa os seus ovos na terra, e os aquenta no po, e se esquece de que algum pe os pode pisar, ou de que a fera os pode calcar. Endurece-se para com seus filhos, como se nao fossem seus; embora se perca o seu trabalho, ela esta sem temor; porque Deus a privou de sabedoria, e nao lhe repartiu entendimento. Quando ela se levanta para correr, zomba do cavalo, e do cavaleiro. Acaso deste forc,a ao cavalo, ou revestiste de forc,a o seu pescoc,o? Fizeste-o pular como o gafanhoto? Terrivel e o fogoso respirar das suas ventas. Escarva no vale, e folga na sua forc,a, e sai ao encontro dos armados. Ri-se do temor, e nao se espanta; e nao torna atras por causa da espada. Sobre ele rangem a aljava, a lanc,a cintilante e o dardo. Tremendo e enfurecido devora a terra, e nao se contem ao som da trombeta. Toda vez que soa a trombeta, diz: Eia! E de longe cheira a guerra, e o trovao dos capitaes e os gritos. E pelo teu entendimento que se eleva o gaviao, e estende as suas asas para o sul? Ou se remonta a aguia ao teu mandado, e poe no alto o seu ninho? Mora nas penhas e ali tem a sua pousada, no cume das penhas, no lugar seguro. Dali descobre a presa; seus olhos a avistam de longe. Seus filhos chupam o sangue; e onde ha mortos, ela ai esta.
Capitulo 40. Disse mais o Senhor a Jo: Contendera contra o Todo-Poderoso o censurador? Quem assim argui a Deus, responda a estas coisas. Entao Jo respondeu ao Senhor, e disse: Eis que sou vil; que te responderia eu? Antes ponho a minha mao sobre a boca. Uma vez tenho falado, e nao replicarei; ou ainda duas vezes, porem nao prosseguirei. Entao, do meio do redemoinho, o Senhor respondeu a Jo: Cinge agora os teus lombos como homem; eu te perguntarei a ti, e tu me responderas. Faras tu vao tambem o meu juizo, ou me condenaras para te justificares a ti? Ou tens brac,o como Deus; ou podes trovejar com uma voz como a dele? Orna-te, pois, de excelencia e dignidade, e veste-te de gloria e de esplendor. Derrama as inundac,oes da tua ira, e atenta para todo soberbo, e abate-o. Olha para todo soberbo, e humilha-o, e calca aos pes os impios onde estao. Esconde-os juntamente no po; ata-lhes os rostos no lugar escondido. Entao tambem eu de ti confessarei que a tua mao direita te podera salvar. Contempla agora o hipopotamo, que eu criei como a ti, que come a erva como o boi. Eis que a sua forc,a esta nos seus lombos, e o seu poder nos musculos do seu ventre. Ele enrija a sua cauda como o cedro; os nervos das suas coxas sao entretecidos. Os seus ossos sao como tubos de bronze, as suas costelas como barras de ferro. Ele e obra prima dos caminhos de Deus; aquele que o fez o proveu da sua espada. Em verdade os montes lhe produzem pasto, onde todos os animais do campo folgam. Deita-se debaixo dos lotos, no esconderijo dos canaviais e no pantano. Os lotos cobrem-no com sua sombra; os salgueiros do ribeiro o cercam. Eis que se um rio trasborda, ele nao treme; sente-se seguro ainda que o Jordao se levante ate a sua boca. Podera alguem apanha-lo quando ele estiver de vigia, ou com lac,os lhe furar o nariz?
Capitulo 41. Poderas tirar com anzol o leviata, ou apertar-lhe a lingua com uma corda? Poderas meter-lhe uma corda de junco no nariz, ou com um gancho furar a sua queixada? Porventura te fara muitas suplicas, ou brandamente te falara? Fara ele alianc,a contigo, ou o tomaras tu por servo para sempre? Brincaras com ele, como se fora um passaro, ou o prenderas para tuas meninas? Farao os socios de pesca trafico dele, ou o dividirao entre os negociantes? Poderas encher-lhe a pele de arpoes, ou a cabec,a de fisgas? Poe a tua mao sobre ele; lembra-te da peleja; nunca mais o faras! Eis que e va a esperanc,a de apanha-lo; pois nao sera um homem derrubado so ao ve-lo? Ninguem ha tao ousado, que se atreva a desperta-lo; quem, pois, e aquele que pode erguer-se diante de mim? Quem primeiro me deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois tudo quanto existe debaixo de todo ceu e meu. Nao me calarei a respeito dos seus membros, nem da sua grande forc,a, nem da grac,a da sua estrutura. Quem lhe pode tirar o vestido exterior? Quem lhe penetrara a courac,a dupla? Quem jamais abriu as portas do seu rosto? Pois em roda dos seus dentes esta o terror. As suas fortes escamas sao o seu orgulho, cada uma fechada como por um selo apertado. Uma `a outra se chega tao perto, que nem o ar passa por entre elas. Umas `as outras se ligam; tanto aderem entre si, que nao se podem separar. Os seus espirros fazem resplandecer a luz, e os seus olhos sao como as pestanas da alva. Da sua boca saem tochas; faiscas de fogo saltam dela. Dos seus narizes procede fumac,a, como de uma panela que ferve, e de juncos que ardem. O seu halito faz incender os carvoes, e da sua boca sai uma chama. No seu pescoc,o reside a forc,a; e diante dele anda saltando o terror. Os tecidos da sua carne estao pegados entre si; ela e firme sobre ele, nao se pode mover. O seu corac,ao e firme como uma pedra; sim, firme como a pedra inferior duma mo. Quando ele se levanta, os valentes sao atemorizados, e por causa da consternac,ao ficam fora de si. Se alguem o atacar com a espada, essa nao podera penetrar; nem tampouco a lanc,a, nem o dardo, nem o arpao. Ele considera o ferro como palha, e o bronze como pau podre. A seta nao o podera fazer fugir; para ele as pedras das fundas se tornam em restolho. Os bastoes sao reputados como juncos, e ele se ri do brandir da lanc,a. Debaixo do seu ventre ha pontas agudas; ele se estende como um trilho sobre o lodo. As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como uma vasilha de ungueento. Apos si deixa uma vereda luminosa; parece o abismo tornado em brancura de cas. Na terra nao ha coisa que se lhe possa comparar; pois foi feito para estar sem pavor. Ele ve tudo o que e alto; e rei sobre todos os filhos da soberba.
Capitulo 42. Entao respondeu Jo ao Senhor: Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propositos pode ser impedido. Quem e este que sem conhecimento obscurece o conselho? por isso falei do que nao entendia; coisas que para mim eram demasiado maravilhosas, e que eu nao conhecia. Ouve, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me responderas. Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te veem os meus olhos. Pelo que me abomino, e me arrependo no po e na cinza. Sucedeu pois que, acabando o Senhor de dizer a Jo aquelas palavras, o Senhor disse a Elifaz, o temanita: A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos, porque nao tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jo. Tomai, pois, sete novilhos e sete carneiros, e ide ao meu servo Jo, e oferecei um holocausto por vos; e o meu servo Jo orara por vos; porque deveras a ele aceitarei, para que eu nao vos trate conforme a vossa estulticia; porque vos nao tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jo. Entao foram Elifaz o temanita, e Bildade o suita, e Zofar o naamatita, e fizeram como o Senhor lhes ordenara; e o Senhor aceitou a Jo. O Senhor, pois, virou o cativeiro de Jo, quando este orava pelos seus amigos; e o Senhor deu a Jo o dobro do que antes possuia. Entao vieram ter com ele todos os seus irmaos, e todas as suas irmas, e todos quantos dantes o conheceram, e comeram com ele pao em sua casa; condoeram-se dele, e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado; e cada um deles lhe deu uma pec,a de dinheiro e um pendente de ouro. E assim abenc,oou o Senhor o ultimo estado de Jo, mais do que o primeiro; pois Jo chegou a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas. Tambem teve sete filhos e tres filhas. E chamou o nome da primeira Jemima, e o nome da segunda Quezia, e o nome da terceira Queren-Hapuque. E em toda a terra nao se acharam mulheres tao formosas como as filhas de Jo; e seu pai lhes deu heranc,a entre seus irmaos. Depois disto viveu Jo cento e quarenta anos, e viu seus filhos, e os filhos de seus filhos: ate a quarta gerac,ao. Entao morreu Jo, velho e cheio de dias.
Capitulo 2. Chegou outra vez o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor; e veio tambem Satanas entre eles apresentar-se perante o Senhor. Entao o Senhor perguntou a Satanas: Donde vens? Respondeu Satanas ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela. Disse o Senhor a Satanas: Notaste porventura o meu servo Jo, que ninguem ha na terra semelhante a ele, homem integro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal? Ele ainda retem a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa. Entao Satanas respondeu ao Senhor: Pele por pele! Tudo quanto o homem tem dara pela sua vida. Estende agora a mao, e toca-lhe nos ossos e na carne, e ele blasfemara de ti na tua face! Disse, pois, o Senhor a Satanas: Eis que ele esta no teu poder; somente poupa-lhe a vida. Saiu, pois, Satanas da presenc,a do Senhor, e feriu Jo de ulceras malignas, desde a planta do pe ate o alto da cabec,a. E Jo, tomando um caco para com ele se raspar, sentou-se no meio da cinza. Entao sua mulher lhe disse: Ainda retens a tua integridade? Blasfema de Deus, e morre. Mas ele lhe disse: Como fala qualquer doida, assim falas tu; receberemos de Deus o bem, e nao receberemos o mal? Em tudo isso nao pecou Jo com os seus labios. Ouvindo, pois, tres amigos de Jo todo esse mal que lhe havia sucedido, vieram, cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, Bildade o suita e Zofar o naamatita; pois tinham combinado para virem condoer- se dele e consola-lo. E, levantando de longe os olhos e nao o reconhecendo, choraram em alta voz; e, rasgando cada um o seu manto, lanc,aram po para o ar sobre as suas cabec,as. E ficaram sentados com ele na terra sete dias e sete noites; e nenhum deles lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande.
Capitulo 3. Depois disso abriu Jo a sua boca, e amaldic,oou o seu dia. E Jo falou, dizendo: Perec,a o dia em que nasci, e a noite que se disse: Foi concebido um homem! Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, la de cima, nao tenha cuidado dele, nem resplandec,a sobre ele a luz. Reclamem-no para si as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; espante-o tudo o que escurece o dia. Quanto `aquela noite, dela se apodere a escuridao; e nao se regozije ela entre os dias do ano; e nao entre no numero dos meses. Ah! que esteril seja aquela noite, e nela nao entre voz de regozijo. Amaldic,oem-na aqueles que amaldic,oam os dias, que sao peritos em suscitar o leviata. As estrelas da alva se lhe escurec,am; espere ela em vao a luz, e nao veja as palpebras da manha; porquanto nao fechou as portas do ventre de minha mae, nem escondeu dos meus olhos a aflic,ao. Por que nao morri ao nascer? por que nao expirei ao vir `a luz? Por que me receberam os joelhos? e por que os seios, para que eu mamasse? Pois agora eu estaria deitado e quieto; teria dormido e estaria em repouso, com os reis e conselheiros da terra, que reedificavam ruinas para si, ou com os principes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata; ou, como aborto oculto, eu nao teria existido, como as crianc,as que nunca viram a luz. Ali os impios cessam de perturbar; e ali repousam os cansados. Ali os presos descansam juntos, e nao ouvem a voz do exator. O pequeno e o grande ali estao e o servo esta livre de seu senhor. Por que se concede luz ao aflito, e vida aos amargurados de alma; que anelam pela morte sem que ela venha, e cavam em procura dela mais do que de tesouros escondidos; que muito se regozijam e exultam, quando acham a sepultura? Sim, por que se concede luz ao homem cujo caminho esta escondido, e a quem Deus cercou de todos os lados? Pois em lugar de meu pao vem o meu suspiro, e os meus gemidos se derramam como agua. Porque aquilo que temo me sobrevem, e o que receio me acontece. Nao tenho repouso, nem sossego, nem descanso; mas vem a perturbac,ao.
Capitulo 4. Entao respondeu Elifaz, o temanita, e disse: Se alguem intentar falar-te, enfadarte-as? Mas quem podera conter as palavras? Eis que tens ensinado a muitos, e tens fortalecido as maos fracas. As tuas palavras tem sustentado aos que cambaleavam, e os joelhos desfalecentes tens fortalecido. Mas agora que se trata de ti, te enfadas; e, tocando-te a ti, te desanimas. Porventura nao esta a tua confianc,a no teu temor de Deus, e a tua esperanc,a na integridade dos teus caminhos? Lembra-te agora disto: qual o inocente que jamais pereceu? E onde foram os retos destruidos? Conforme tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam o mesmo. Pelo sopro de Deus perecem, e pela rajada da sua ira sao consumidos. Cessa o rugido do leao, e a voz do leao feroz; os dentes dos leoezinhos se quebram. Perece o leao velho por falta de presa, e os filhotes da leoa andam dispersos. Ora, uma palavra se me disse em segredo, e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela. Entre pensamentos nascidos de visoes noturnas, quando cai sobre os homens o sono profundo, sobrevieram-me o espanto e o tremor, que fizeram estremecer todos os meus ossos. Entao um espirito passou por diante de mim; arrepiaram-se os cabelos do meu corpo. Parou ele, mas nao pude discernir a sua aparencia; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silencio, entao ouvi uma voz que dizia: Pode o homem mortal ser justo diante de Deus? Pode o varao ser puro diante do seu Criador? Eis que Deus nao confia nos seus servos, e ate a seus anjos atribui loucura; quanto mais aos que habitam em casas de lodo, cujo fundamento esta no po, e que sao esmagados pela trac,a! Entre a manha e a tarde sao destruidos; perecem para sempre sem que disso se fac,a caso. Se dentro deles e arrancada a corda da sua tenda, porventura nao morrem, e isso sem atingir a sabedoria?
Capitulo 5. Chama agora; ha alguem que te responda; E a qual dentre os entes santos te dirigiras? Pois a dor destroi o louco, e a inveja mata o tolo. Bem vi eu o louco lanc,ar raizes; mas logo amaldic,oei a sua habitac,ao: Seus filhos estao longe da seguranc,a, e sao pisados nas portas, e nao ha quem os livre. A sua messe e devorada pelo faminto, que ate dentre os espinhos a tira; e o lac,o abre as fauces para a fazenda deles. Porque a aflic,ao nao procede do po, nem a tribulac,ao brota da terra; mas o homem nasce para a tribulac,ao, como as faiscas voam para cima. Mas quanto a mim eu buscaria a Deus, e a Deus entregaria a minha causa; o qual faz coisas grandes e inescrutaveis, maravilhas sem numero. Ele derrama a chuva sobre a terra, e envia aguas sobre os campos. Ele poe num lugar alto os abatidos; e os que choram sao exaltados `a seguranc,a. Ele frustra as maquinac,oes dos astutos, de modo que as suas maos nao possam levar coisa alguma a efeito. Ele apanha os sabios na sua propria astucia, e o conselho dos perversos se precipita. Eles de dia encontram as trevas, e ao meio-dia andam `as apalpadelas, como de noite. Mas Deus livra o necessitado da espada da boca deles, e da mao do poderoso. Assim ha esperanc,a para o pobre; e a iniqueidade tapa a boca. Eis que bem-aventurado e o homem a quem Deus corrige; nao desprezes, pois, a correc,ao do Todo-Poderoso. Pois ele faz a ferida, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas maos curam. Em seis angustias te livrara, e em sete o mal nao te tocara. Na fome te livrara da morte, e na guerra do poder da espada. Do ac,oite da lingua estaras abrigado, e nao temeras a assolac,ao, quando chegar. Da assolac,ao e da fome te riras, e dos animais da terra nao teras medo. Pois ate com as pedras do campo teras a tua alianc,a, e as feras do campo estarao em paz contigo. Saberas que a tua tenda esta em paz; visitaras o teu rebanho, e nada te faltara. Tambem saberas que se multiplicara a tua descendencia e a tua posteridade como a erva da terra. Em boa velhice iras `a sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo. Eis que isso ja o havemos inquirido, e assim o e; ouve-o, e conhece-o para teu bem.
Capitulo 6. Entao Jo, respondendo, disse: Oxala de fato se pesasse a minha magoa, e juntamente na balanc,a se pusesse a minha calamidade! Pois, na verdade, seria mais pesada do que a areia dos mares; por isso e que as minhas palavras tem sido temerarias. Porque as flechas do Todo-Poderoso se cravaram em mim, e o meu espirito suga o veneno delas; os terrores de Deus se arregimentam contra mim. Zurrara o asno montes quando tiver erva? Ou mugira o boi junto ao seu pasto?: Pode se comer sem sal o que e insipido? Ou ha gosto na clara do ovo? Nessas coisas a minha alma recusa tocar, pois sao para mim qual comida repugnante. Quem dera que se cumprisse o meu rogo, e que Deus me desse o que anelo! que fosse do agrado de Deus esmagar-me; que soltasse a sua mao, e me exterminasse! Isto ainda seria a minha consolac,ao, e exultaria na dor que nao me poupa; porque nao tenho negado as palavras do Santo. Qual e a minha forc,a, para que eu espere? Ou qual e o meu fim, para que me porte com paciencia? E a minha forc,a a forc,a da pedra? Ou e de bronze a minha carne? Na verdade nao ha em mim socorro nenhum. Nao me desamparou todo o auxilio eficaz? Ao que desfalece devia o amigo mostrar compaixao; mesmo ao que abandona o temor do Todo-Poderoso. Meus irmaos houveram-se aleivosamente, como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam, os quais se turvam com o gelo, e neles se esconde a neve; no tempo do calor vao minguando; e quando o calor vem, desaparecem do seu lugar. As caravanas se desviam do seu curso; sobem ao deserto, e perecem. As caravanas de Tema olham; os viandantes de Saba por eles esperam. Ficam envergonhados por terem confiado; e, chegando ali, se confundem. Agora, pois, tais vos tornastes para mim; vedes a minha calamidade e temeis. Acaso disse eu: Dai-me um presente? Ou: Fazei-me uma oferta de vossos bens? Ou: Livrai-me das maos do adversario? Ou: Resgatai-me das maos dos opressores ? Ensinai-me, e eu me calarei; e fazei-me entender em que errei. Quao poderosas sao as palavras da boa razao! Mas que e o que a vossa argueic,ao reprova? Acaso pretendeis reprovar palavras, embora sejam as razoes do desesperado como vento? Ate quereis lanc,ar sortes sobre o orfao, e fazer mercadoria do vosso amigo. Agora, pois, por favor, olhai para, mim; porque de certo `a vossa face nao mentirei. Mudai de parecer, pec,o-vos, nao haja injustic,a; sim, mudai de parecer, que a minha causa e justa. Ha iniqueidade na minha lingua? Ou nao poderia o meu paladar discernir coisas perversas?
Capitulo 7. Porventura nao tem o homem duro servic,o sobre a terra? E nao sao os seus dias como os do jornaleiro? Como o escravo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga, assim se me deram meses de escassez, e noites de aflic,ao se me ordenaram. Havendo-me deitado, digo: Quando me levantarei? Mas comprida e a noite, e farto-me de me revolver na cama ate a alva. A minha carne se tem vestido de vermes e de torroes de po; a minha pele endurece, e torna a rebentar-se. Os meus dias sao mais velozes do que a lanc,adeira do tecelao, e chegam ao fim sem esperanc,a. Lembra-te de que a minha vida e um sopro; os meus olhos nao tornarao a ver o bem. Os olhos dos que agora me veem nao me verao mais; os teus olhos estarao sobre mim, mas nao serei mais. Tal como a nuvem se desfaz e some, aquele que desce `a sepultura nunca tornara a subir. Nunca mais tornara `a sua casa, nem o seu lugar o conhecera mais. Por isso nao reprimirei a minha boca; falarei na angustia do meu espirito, queixar-me-ei na amargura da minha alma. Sou eu o mar, ou um monstro marinho, para que me ponhas uma guarda? Quando digo: Confortar-me-a a minha cama, meu leito aliviara a minha queixa, entao me espantas com sonhos, e com visoes me atemorizas; de modo que eu escolheria antes a estrangulac,ao, e a morte do que estes meus ossos. A minha vida abomino; nao quero viver para sempre; retira-te de mim, pois os meus dias sao vaidade. Que e o homem, para que tanto o engrandec,as, e ponhas sobre ele o teu pensamento, e cada manha o visites, e cada momento o proves? Ate quando nao apartaras de mim a tua vista, nem me largaras, ate que eu possa engolir a minha saliva? Se peco, que te fac,o a ti, o vigia dos homens? Por que me fizeste alvo dos teus dardos? Por que a mim mesmo me tornei pesado? Por que me nao perdoas a minha transgressao, e nao tiras a minha iniqueidade? Pois agora me deitarei no po; tu me buscaras, porem eu nao serei mais.
Capitulo 8. Entao respondeu Bildade, o suita, dizendo: Ate quando falaras tais coisas, e ate quando serao as palavras da tua boca qual vento impetuoso? Perverteria Deus o direito? Ou perverteria o Todo-Poderoso a justic,a? Se teus filhos pecaram contra ele, ele os entregou ao poder da sua transgressao. Mas, se tu com empenho buscares a Deus, e ,ao Todo-Poderoso fizeres a tua suplica, se fores puro e reto, certamente mesmo agora ele despertara por ti, e tornara segura a habitac,ao da tua justic,a. Embora tenha sido pequeno o teu principio, contudo o teu ultimo estado aumentara grandemente. Indaga, pois, eu te pec,o, da gerac,ao passada, e considera o que seus pais descobriram. Porque nos somos de ontem, e nada sabemos, porquanto nossos dias sobre a terra, sao uma sombra. Nao te ensinarao eles, e nao te falarao, e do seu entendimento nao proferirao palavras? Pode o papiro desenvolver-se fora de um pantano. Ou pode o junco crescer sem agua? Quando esta em flor e ainda nao cortado, seca-se antes de qualquer outra erva. Assim sao as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; a esperanc,a do impio perecera, a sua seguranc,a se desfara, e a sua confianc,a sera como a teia de aranha. Encostar-se-a `a sua casa, porem ela nao subsistira; apegar-se-lhe-a, porem ela nao permanecera. Ele esta verde diante do sol, e os seus renovos estendem-se sobre o seu jardim; as suas raizes se entrelac,am junto ao monte de pedras; ate penetra o pedregal. Mas quando for arrancado do seu lugar, entao este o negara, dizendo: Nunca te vi. Eis que tal e a alegria do seu caminho; e da terra outros brotarao. Eis que Deus nao rejeitara ao reto, nem tomara pela mao os malfeitores; ainda de riso te enchera a boca, e os teus labios de louvor. Teus aborrecedores se vestirao de confusao; e a tenda dos impios nao subsistira.
Capitulo 9. Entao Jo respondeu, dizendo: Na verdade sei que assim e; mas como pode o homem ser justo para com Deus? Se alguem quisesse contender com ele, nao lhe poderia responder uma vez em mil. Ele e sabio de corac,ao e poderoso em forc,as; quem se endureceu contra ele, e ficou seguro? Ele e o que remove os montes, sem que o saibam, e os transtorna no seu furor; o que sacode a terra do seu lugar, de modo que as suas colunas estremecem; o que da ordens ao sol, e ele nao nasce; o que sela as estrelas; o que sozinho estende os ceus, e anda sobre as ondas do mar; o que fez a ursa, o Oriom, e as Pleiades, e as recamaras do sul; o que faz coisas grandes e insondaveis, e maravilhas que nao se podem contar. Eis que ele passa junto a mim, e, nao o vejo; sim, vai passando adiante, mas nao o percebo. Eis que arrebata a presa; quem o pode impedir? Quem lhe dira: Que e o que fazes? Deus nao retirara a sua ira; debaixo dele se curvaram os aliados de Raabe; quanto menos lhe poderei eu responder ou escolher as minhas palavras para discutir com ele? Embora, eu seja justo, nao lhe posso responder; tenho de pedir misericordia ao meu juiz. Ainda que eu chamasse, e ele me respondesse, nao poderia crer que ele estivesse escutando a minha voz. Pois ele me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa. Nao me permite respirar, antes me farta de amarguras. Se fosse uma prova de forc,a, eis-me aqui, diria ele; e se fosse questao de juizo, quem o citaria para comparecer? Ainda que eu fosse justo, a minha propria boca me condenaria; ainda que eu fosse perfeito, entao ela me declararia perverso: Eu sou inocente; nao estimo a mim mesmo; desprezo a minha vida. Tudo e o mesmo, portanto digo: Ele destroi o reto e o impio. Quando o ac,oite mata de repente, ele zomba da calamidade dos inocentes. A terra esta entregue nas maos do impio. Ele cobre o rosto dos juizes; se nao e ele, quem e, logo? Ora, os meus dias sao mais velozes do que um correio; fogem, e nao veem o bem. Eles passam como balsas de junco, como aguia que se lanc,a sobre a presa. Se eu disser: Eu me esquecerei da minha queixa, mudarei o meu aspecto, e tomarei alento; entao tenho pavor de todas as minhas dores; porque bem sei que nao me teras por inocente. Eu serei condenado; por que, pois, trabalharei em vao? Se eu me lavar com agua de neve, e limpar as minhas maos com sabao, mesmo assim me submergiras no fosso, e as minhas proprias vestes me abominarao. Porque ele nao e homem, como eu, para eu lhe responder, para nos encontrarmos em juizo. Nao ha entre nos arbitro para por a mao sobre nos ambos. Tire ele a sua vara de cima de mim, e nao me amedronte o seu terror; entao falarei, e nao o temerei; pois eu nao sou assim em mim mesmo.
Capitulo 10. Tendo tedio `a minha vida; darei livre curso `a minha queixa, falarei na amargura da minha alma: Direi a Deus: Nao me condenes; faze-me saber por que contendes comigo. Tens prazer em oprimir, em desprezar a obra das tuas maos e favorecer o designio dos impios? Tens tu olhos de carne? Ou ves tu como ve o homem? Sao os teus dias como os dias do homem? Ou sao os teus anos como os anos de um homem, para te informares da minha iniqueidade, e averiguares o meu pecado, ainda que tu sabes que eu nao sou impio, e que nao ha ninguem que possa livrar-me da tua mao? As tuas maos me fizeram e me deram forma; e te voltas agora para me consumir? Lembra-te, pois, de que do barro me formaste; e queres fazer-me tornar ao po? Nao me vazaste como leite, e nao me coalhaste como queijo? De pele e carne me vestiste, e de ossos e nervos me teceste. Vida e misericordia me tens concedido, e a tua providencia me tem conservado o espirito. Contudo ocultaste estas coisas no teu corac,ao; bem sei que isso foi o teu designio. Se eu pecar, tu me observas, e da minha iniqueidade nao me absolveras. Se for impio, ai de mim! Se for justo, nao poderei levantar a minha cabec,a, estando farto de ignominia, e de contemplar a minha miseria. Se a minha cabec,a se exaltar, tu me cac,as como a um leao feroz; e de novo fazes maravilhas contra mim. Tu renovas contra mim as tuas testemunhas, e multiplicas contra mim a tua ira; reveses e combate estao comigo. Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! se entao tivera expirado, e olhos nenhuns me vissem! Entao fora como se nunca houvera sido; e da madre teria sido levado para a sepultura. Nao sao poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento; antes que me va para o lugar de que nao voltarei, para a terra da escuridao e das densas trevas, terra escurissima, como a propria escuridao, terra da sombra trevosa e do caos, e onde a propria luz e como a escuridao.
Capitulo 11. Entao respondeu Zofar, o naamatita, dizendo: Nao se dara resposta `a multidao de palavras? ou sera justificado o homem falador? Acaso as tuas jactancias farao calar os homens? e zombaras tu sem que ninguem te envergonhe? Pois dizes: A minha doutrina e pura, e limpo sou aos teus olhos. Mas, na verdade, oxala que Deus falasse e abrisse os seus labios contra ti, e te fizesse saber os segredos da sabedoria, pois e multiforme o seu entendimento; sabe, pois, que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniqueidade. Poderas descobrir as coisas profundas de Deus, ou descobrir perfeitamente o Todo-Poderoso? Como as alturas do ceu e a sua sabedoria; que poderas tu fazer? Mais profunda e ela do que o Seol; que poderas tu saber? Mais comprida e a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar. Se ele passar e prender alguem, e chamar a juizo, quem o podera impedir? Pois ele conhece os homens vaos; e quando ve a iniqueidade, nao atentara para ela? Mas o homem vao adquirira entendimento, quando a cria do asno montes nascer homem. Se tu preparares o teu corac,ao, e estenderes as maos para ele; se ha iniqueidade na tua mao, lanc,a-a para longe de ti, e nao deixes a perversidade habitar nas tuas tendas; entao levantaras o teu rosto sem macula, e estaras firme, e nao temeras. Pois tu te esqueceras da tua miseria; apenas te lembraras dela como das aguas que ja passaram. E a tua vida sera mais clara do que o meio-dia; a escuridao dela sera como a alva. E teras confianc,a, porque havera esperanc,a; olharas ao redor de ti e repousaras seguro. Deitar-te-as, e ninguem te amedrontara; muitos procurarao obter o teu favor. Mas os olhos dos impios desfalecerao, e para eles nao havera refugio; a sua esperanc,a sera o expirar.
Capitulo 12. Entao Jo respondeu, dizendo: Sem duvida vos sois o povo, e convosco morrera a sabedoria. Mas eu tenho entendimento como, vos; eu nao vos sou inferior. Quem nao sabe tais coisas como essas? Sou motivo de riso para os meus amigos; eu, que invocava a Deus, e ele me respondia: o justo e reto servindo de irrisao! No pensamento de quem esta seguro ha desprezo para a desgrac,a; ela esta preparada para aquele cujos pes resvalam. As tendas dos assoladores tem descanso, e os que provocam a Deus estao seguros; os que trazem o seu deus na mao! Mas, pergunta agora `as alimarias, e elas te ensinarao; e `as aves do ceu, e elas te farao saber; ou fala com a terra, e ela te ensinara; ate os peixes o mar to declararao. Qual dentre todas estas coisas nao sabe que a mao do Senhor fez isto? Na sua mao esta a vida de todo ser vivente, e o espirito de todo o genero humano. Porventura o ouvido nao prova as palavras, como o paladar prova o alimento? Com os anciaos esta a sabedoria, e na longura de dias o entendimento. Com Deus esta a sabedoria e a forc,a; ele tem conselho e entendimento. Eis que ele derriba, e nao se pode reedificar; ele encerra na prisao, e nao se pode abrir. Ele retem as aguas, e elas secam; solta-as, e elas inundam a terra. Com ele esta a forc,a e a sabedoria; sao dele o enganado e o enganador. Aos conselheiros leva despojados, e aos juizes faz desvairar. Solta o cinto dos reis, e lhes ata uma corda aos lombos. Aos sacerdotes leva despojados, e aos poderosos transtorna. Aos que sao dignos da confianc,a emudece, e tira aos anciaos o discernimento. Derrama desprezo sobre os principes, e afrouxa o cinto dos fortes. Das trevas descobre coisas profundas, e traz para a luz a sombra da morte. Multiplica as nac,oes e as faz perecer; alarga as fronteiras das nac,oes, e as leva cativas. Tira o entendimento aos chefes do povo da terra, e os faz vaguear pelos desertos, sem caminho. Eles andam nas trevas `as apalpadelas, sem luz, e ele os faz cambalear como um ebrio.
Capitulo 13. Eis que os meus olhos viram tudo isto, e os meus ouvidos o ouviram e entenderam. O que vos sabeis tambem eu o sei; nao vos sou inferior. Mas eu falarei ao Todo-Poderoso, e quero defender-me perante Deus. Vos, porem, sois forjadores de mentiras, e vos todos, medicos que nao valem nada. Oxala vos calasseis de todo, pois assim passarieis por sabios. Ouvi agora a minha defesa, e escutai os argumentos dos meus labios. Falareis falsamente por Deus, e por ele proferireis mentiras? Fareis aceitac,ao da sua pessoa? Contendereis a favor de Deus? Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Ou zombareis dele, como quem zomba de um homem? Certamente vos repreendera, se em oculto vos deixardes levar de respeitos humanos. Nao vos amedrontara a sua majestade? E nao caira sobre vos o seu terror? As vossas maximas sao proverbios de cinza; as vossas defesas sao torres de barro. Calai-vos perante mim, para que eu fale, e venha sobre mim o que vier. Tomarei a minha carne entre os meus dentes, e porei a minha vida na minha mao. Eis que ele me matara; nao tenho esperanc,a; contudo defenderei os meus caminhos diante dele. Tambem isso sera a minha salvac,ao, pois o impio nao vira perante ele. Ouvi atentamente as minhas palavras, e chegue aos vossos ouvidos a minha declarac,ao. Eis que ja pus em ordem a minha causa, e sei que serei achado justo: Quem e o que contendera comigo? Pois entao me calaria e renderia o espirito. Concede-me somente duas coisas; entao nao me esconderei do teu rosto: desvia a tua mao rara longe de mim, e nao me amedronte o teu terror. Entao chama tu, e eu responderei; ou eu falarei, e me responde tu. Quantas iniqueidades e pecados tenho eu? Faze-me saber a minha transgressao e o meu pecado. Por que escondes o teu rosto, e me tens por teu inimigo? Acossaras uma folha arrebatada pelo vento? E perseguiras o restolho seco? Pois escreves contra mim coisas amargas, e me fazes herdar os erros da minha mocidade; tambem poes no tronco os meus pes, e observas todos os meus caminhos, e marcas um termo ao redor dos meus pes, apesar de eu ser como uma coisa podre que se consome, e como um vestido, ao qual roi a trac,a.
Capitulo 14. O homem, nascido da mulher, e de poucos dias e cheio de inquietac,ao. Nasce como a flor, e murcha; foge tambem como a sombra, e nao permanece. Sobre esse tal abres os teus olhos, e a mim me fazes entrar em juizo contigo? Quem do imundo tirara o puro? Ninguem. Visto que os seus dias estao determinados, contigo esta o numero dos seus meses; tu lhe puseste limites, e ele nao podera passar alem deles. Desvia dele o teu rosto, para que ele descanse e, como o jornaleiro, tenha contentamento no seu dia. Porque ha esperanc,a para a arvore, que, se for cortada, ainda torne a brotar, e que nao cessem os seus renovos. Ainda que envelhec,a a sua raiz na terra, e morra o seu tronco no po, contudo ao cheiro das aguas brotara, e lanc,ara ramos como uma planta nova. O homem, porem, morre e se desfaz; sim, rende o homem o espirito, e entao onde esta? Como as aguas se retiram de um lago, e um rio se esgota e seca, assim o homem se deita, e nao se levanta; ate que nao haja mais ceus nao acordara nem sera despertado de seu sono. Oxala me escondesses no Seol, e me ocultasses ate que a tua ira tenha passado; que me determinasses um tempo, e te lembrasses de mim! Morrendo o homem, acaso tornara a viver? Todos os dias da minha lida esperaria eu, ate que viesse a minha mudanc,a. Chamar-me-ias, e eu te responderia; almejarias a obra de tuas maos. Entao contarias os meus passos; nao estarias a vigiar sobre o meu pecado; a minha transgressao estaria selada num saco, e ocultarias a minha iniqueidade. Mas, na verdade, a montanha cai e se desfaz, e a rocha se remove do seu lugar. As aguas gastam as pedras; as enchentes arrebatam o solo; assim tu fazes perecer a esperanc,a do homem. Prevaleces para sempre contra ele, e ele passa; mudas o seu rosto e o despedes. Os seus filhos recebem honras, sem que ele o saiba; sao humilhados sem que ele o perceba. Sente as dores do seu proprio corpo somente, e so por si mesmo lamenta.
Capitulo 15. Entao respondeu Elifaz, o temanita: Porventura respondera o sabio com ciencia de vento? E enchera do vento oriental o seu ventre, argueindo com palavras que de nada servem, ou com razoes com que ele nada aproveita? Na verdade tu destrois a reverencia, e impedes a meditac,ao diante de Deus. Pois a tua iniqueidade ensina a tua boca, e escolhes a lingua dos astutos. A tua propria boca te condena, e nao eu; e os teus labios testificam contra ti. Es tu o primeiro homem que nasceu? Ou foste dado `a luz antes dos outeiros? Ou ouviste o secreto conselho de Deus? E a ti so reservas a sabedoria? Que sabes tu, que nos nao saibamos; que entendes, que nao haja em nos? Conosco estao os encanecidos e idosos, mais idosos do que teu pai. Porventura fazes pouco caso das consolac,oes de Deus, ou da palavra que te trata benignamente? Por que te arrebata o teu corac,ao, e por que flamejam os teus olhos, de modo que voltas contra Deus o teu espirito, e deixas sair tais palavras da tua boca? Que e o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para que fique justo? Eis que Deus nao confia nos seus santos, e nem o ceu e puro aos seus olhos; quanto menos o homem abominavel e corrupto, que bebe a iniqueidade como a agua? Escuta-me e to mostrarei; contar-te-ei o que tenho visto (o que os sabios tem anunciado e seus pais nao o ocultaram; aos quais somente era dada a terra, nao havendo estranho algum passado por entre eles); Todos os dias passa o impio em angustia, sim, todos os anos que estao reservados para o opressor. O sonido de terrores esta nos seus ouvidos; na prosperidade lhe sobrevem o assolador. Ele nao cre que tornara das trevas, mas que o espera a espada. Anda vagueando em busca de pao, dizendo: Onde esta? Bem sabe que o dia das trevas lhe esta perto, `a mao. Amedrontam-no a angustia e a tribulac,ao; prevalecem contra ele, como um rei preparado para a peleja. Porque estendeu a sua mao contra Deus, e contra o Todo-Poderoso se porta com soberba; arremete contra ele com dura cerviz, e com as saliencias do seu escudo; porquanto cobriu o seu rosto com a sua gordura, e criou carne gorda nas ilhargas; e habitou em cidades assoladas, em casas em que ninguem deveria morar, que estavam a ponto de tornar-se em montoes de ruinas; nao se enriquecera, nem subsistira a sua fazenda, nem se estenderao pela terra as suas possessoes. Nao escapara das trevas; a chama do fogo secara os seus ramos, e ao sopro da boca de Deus desaparecera. Nao confie na vaidade, enganando-se a si mesmo; pois a vaidade sera a sua recompensa. Antes do seu dia se cumprira, e o seu ramo nao reverdecera. Sacudira as suas uvas verdes, como a vide, e deixara cair a sua flor como a oliveira. Pois a assembleia dos impios e esteril, e o fogo consumira as tendas do suborno. Concebem a malicia, e dao `a luz a iniqueidade, e o seu corac,ao prepara enganos.
Capitulo 16. Entao Jo respondeu, dizendo: Tenho ouvido muitas coisas como essas; todos vos sois consoladores molestos. Nao terao fim essas palavras de vento? Ou que e o que te provoca, para assim responderes? Eu tambem poderia falar como vos falais, se vos estivesseis em meu lugar; eu poderia amontoar palavras contra vos, e contra vos menear a minha cabec,a; poderia fortalecer-vos com a minha boca, e a consolac,ao dos meus labios poderia mitigar a vossa dor. Ainda que eu fale, a minha dor nao se mitiga; e embora me cale, qual e o meu alivio? Mas agora, o Deus, me deixaste exausto; assolaste toda a minha companhia. Tu me emagreceste, e isso constitui uma testemunha contra mim; contra mim se levanta a minha magreza, e o meu rosto testifica contra mim. Na sua ira ele me despedac,ou, e me perseguiu; rangeu os dentes contra mim; o meu adversario aguc,a os seus olhos contra mim. Os homens abrem contra mim a boca; com desprezo me ferem nas faces, e contra mim se ajuntam `a uma. Deus me entrega ao impio, nas maos dos iniquos me faz cair. Descansado estava eu, e ele me quebrantou; e pegou-me pelo pescoc,o, e me despedac,ou; colocou-me por seu alvo; cercam-me os seus flecheiros. Atravessa-me os rins, e nao me poupa; derrama o meu fel pela terra. Quebranta-me com golpe sobre golpe; arremete contra mim como um guerreiro. Sobre a minha pele cosi saco, e deitei a minha gloria no po. O meu rosto todo esta inflamado de chorar, e ha sombras escuras sobre as minhas palpebras, embora nao haja violencia nas minhas maos, e seja pura a minha orac,ao. o terra, nao cubras o meu sangue, e nao haja lugar em que seja abafado o meu clamor! Eis que agora mesmo a minha testemunha esta no ceu, e o meu fiador nas alturas. Os meus amigos zombam de mim; mas os meus olhos se desfazem em lagrimas diante de Deus, para que ele defenda o direito que o homem tem diante de Deus e o que o filho do homem tem perante, o seu proximo. Pois quando houver decorrido poucos anos, eu seguirei o caminho por onde nao tornarei.
Capitulo 17. O meu espirito esta quebrantado, os meus dias se extinguem, a sepultura me esta preparada! Deveras estou cercado de zombadores, e os meus olhos contemplam a sua provocac,ao! Da-me, pec,o-te, um penhor, e se o meu fiador para contigo; quem mais ha que me de a mao? Porque aos seus corac,oes encobriste o entendimento, pelo que nao os exaltaras. Quem entrega os seus amigos como presa, os olhos de seus filhos desfalecerao. Mas a mim me pos por motejo dos povos; tornei-me como aquele em cujo rosto se cospe. De magoa se escureceram os meus olhos, e todos os meus membros sao como a sombra. Os retos pasmam disso, e o inocente se levanta contra o impio. Contudo o justo prossegue no seu caminho e o que tem maos puras vai crescendo em forc,a. Mas tornai vos todos, e vinde, e sabio nenhum acharei entre vos. Os meus dias passaram, malograram-se os meus propositos, as aspirac,oes do meu corac,ao. Trocam a noite em dia; dizem que a luz esta perto das trevas. el, Se eu olhar o Seol como a minha casa, se nas trevas estender a minha cama, se eu clamar `a cova: Tu es meu pai; e aos vermes: Vos sois minha mae e minha irma; onde esta entao a minha esperanc,a? Sim, a minha esperanc,a, quem a podera ver? Acaso descera comigo ate os ferrolhos do Seol? Descansaremos juntos no po?
Capitulo 18. Entao respondeu Bildade, o suita: Ate quando estareis `a procura de palavras? considerai bem, e entao falaremos. Por que somos tratados como gado, e como estultos aos vossos olhos? Oh tu, que te despedac,as na tua ira, acaso por amor de ti sera abandonada a terra, ou sera a rocha removida do seu lugar? Na verdade, a luz do impio se apagara, e nao resplandecera a chama do seu fogo. A luz se escurecera na sua tenda, e a lampada que esta sobre ele se apagara. Os seus passos firmes se estreitarao, e o seu proprio conselho o derribara. Pois por seus proprios pes e ele lanc,ado na rede, e pisa nos lac,os armados. A armadilha o apanha pelo calcanhar, e o lac,o o prende; a corda do mesmo esta-lhe escondida na terra, e uma armadilha na vereda. Terrores o amedrontam de todos os lados, e de perto lhe perseguem os pes. O seu vigor e diminuido pela fome, e a destruic,ao esta pronta ao seu lado. Sao devorados os membros do seu corpo; sim, o primogenito da morte devora os seus membros. Arrancado da sua tenda, em que confiava, e levado ao rei dos terrores. Na sua tenda habita o que nao lhe pertence; espalha-se enxofre sobre a sua habitac,ao. Por baixo se secam as suas raizes, e por cima sao cortados os seus ramos. A sua memoria perece da terra, e pelas prac,as nao tem nome. E lanc,ado da luz para as trevas, e afugentado do mundo. Nao tem filho nem neto entre o seu povo, e descendente nenhum lhe ficara nas moradas. Do seu dia pasmam os do ocidente, assim como os do oriente ficam sobressaltados de horror. Tais sao, na verdade, as moradas do, impio, e tal e o lugar daquele que nao conhece a Deus.
Capitulo 19. Entao Jo respondeu: Ate quando afligireis a minha alma, e me atormentareis com palavras? Ja dez vezes me haveis humilhado; nao vos envergonhais de me maltratardes? Embora haja eu, na verdade, errado, comigo fica o meu erro. Se deveras vos quereis engrandecer contra mim, e me incriminar pelo meu oprobrio, sabei entao que Deus e o que transtornou a minha causa, e com a sua rede me cercou. Eis que clamo: Violencia! mas nao sou ouvido; grito: Socorro! mas nao ha justic,a. com muros fechou ele o meu caminho, de modo que nao posso passar; e pos trevas nas minhas veredas. Da minha honra me despojou, e tirou-me da cabec,a a coroa. Quebrou-me de todos os lados, e eu me vou; arrancou a minha esperanc,a, como a, uma arvore. Acende contra mim a sua ira, e me considera como um de seus adversarios. Juntas as suas tropas avanc,am, levantam contra mim o seu caminho, e se acampam ao redor da minha tenda. Ele pos longe de mim os meus irmaos, e os que me conhecem tornaram-se estranhos para mim. Os meus parentes se afastam, e os meus conhecidos se esquecem de, mim. Os meus domesticos e as minhas servas me tem por estranho; vim a ser um estrangeiro aos seus olhos. Chamo ao meu criado, e ele nao me responde; tenho que suplicar-lhe com a minha boca. O meu hAlito e intoleravel `a minha mulher; sou repugnante aos filhos de minha mae. Ate os pequeninos me desprezam; quando me levanto, falam contra mim. Todos os meus amigos intimos me abominam, e ate os que eu amava se tornaram contra mim. Os meus ossos se apegam `a minha pele e `a minha carne, e so escapei com a pele dos meus dentes. Compadecei-vos de mim, amigos meus; compadecei-vos de mim; pois a mao de Deus me tocou. Por que me perseguis assim como Deus, e da minha carne nao vos fartais? Oxala que as minhas palavras fossem escritas! Oxala que fossem gravadas num livro! Que, com pena de ferro, e com chumbo, fossem para sempre esculpidas na rocha! Pois eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantara sobre a terra. E depois de consumida esta minha pele, entao fora da minha carne verei a Deus; ve-lo-ei ao meu lado, e os meus olhos o contemplarao, e nao mais como adversario. O meu corac,ao desfalece dentro de mim! Se disserdes: Como o havemos de perseguir! e que a causa deste mal se acha em mim, temei vos a espada; porque o furor traz os castigos da espada, para saberdes que ha um juizo.
Capitulo 20. Entao respondeu Zofar, o naamatita: Ora, os meus pensamentos me fazem responder, e por isso eu me apresso. Estou ouvindo a tua repreensao, que me envergonha, mas o espirito do meu entendimento responde por mim. Nao sabes tu que desde a antigueidade, desde que o homem foi posto sobre a terra, o triunfo dos iniquos e breve, e a alegria dos impios e apenas dum momento? Ainda que a sua exaltac,ao suba ate o ceu, e a sua cabec,a chegue ate as nuvens, contudo, como o seu proprio esterco, perecera para sempre; e os que o viam perguntarao: Onde esta? Dissipar-se-a como um sonho, e nao sera achado; sera afugentado qual uma visao da noite. Os olhos que o viam nao o verao mais, nem o seu lugar o contemplara mais. Os seus filhos procurarao o favor dos pobres, e as suas maos restituirao os seus lucros ilicitos. Os seus ossos estao cheios do vigor da sua juventude, mas este se deitara com ele no po. Ainda que o mal lhe seja doce na boca, ainda que ele o esconda debaixo da sua lingua, ainda que nao o queira largar, antes o retenha na sua boca, contudo a sua comida se transforma nas suas entranhas; dentro dele se torna em fel de aspides. Engoliu riquezas, mas vomita-las-a; do ventre dele Deus as lanc,ara. Veneno de aspides sorvera, lingua de vibora o matara. Nao vera as correntes, os rios e os ribeiros de mel e de manteiga. O que adquiriu pelo trabalho, isso restituira, e nao o engolira; nao se regozijara conforme a fazenda que ajuntou. Pois que oprimiu e desamparou os pobres, e roubou a casa que nao edificou. Porquanto nao houve limite `a sua cobic,a, nada salvara daquilo em que se deleita. Nada escapou `a sua voracidade; pelo que a sua prosperidade nao perdurara. Na plenitude da sua abastanc,a, estara angustiado; toda a forc,a da miseria vira sobre ele. Mesmo estando ele a encher o seu estomago, Deus mandara sobre ele o ardor da sua ira, que fara chover sobre ele quando for comer. Ainda que fuja das armas de ferro, o arco de bronze o atravessara. Ele arranca do seu corpo a flecha, que sai resplandecente do seu fel; terrores vem sobre ele. Todas as trevas sao reservadas paro os seus tesouros; um fogo nao assoprado o consumira, e devorara o que ficar na sua tenda. Os ceus revelarao a sua iniqueidade, e contra ele a terra se levantara. As rendas de sua casa ir-se-ao; no dia da ira de Deus todas se derramarao. Esta, da parte de Deus, e a porc,ao do impio; esta e a heranc,a que Deus lhe reserva.
Capitulo 21. Entao Jo respondeu: Ouvi atentamente as minhas palavras; seja isto a vossa consolac,ao. Sofrei-me, e eu falarei; e, havendo eu falado, zombai. E porventura do homem que eu me queixo? Mas, ainda que assim fosse, nao teria motivo de me impacientar? Olhai para mim, e pasmai, e ponde a mao sobre a boca. Quando me lembro disto, me perturbo, e a minha carne estremece de horror. Por que razao vivem os impios, envelhecem, e ainda se robustecem em poder? Os seus filhos se estabelecem `a vista deles, e os seus descendentes perante os seus olhos. As suas casas estao em paz, sem temor, e a vara de Deus nao esta sobre eles. O seu touro gera, e nao falha; pare a sua vaca, e nao aborta. Eles fazem sair os seus pequeninos, como a um rebanho, e suas crianc,as andam saltando. Levantam a voz, ao som do tamboril e da harpa, e regozijam-se ao som da flauta. Na prosperidade passam os seus dias, e num momento descem ao Seol. Eles dizem a Deus: retira-te de nos, pois nao desejamos ter conhecimento dos teus caminhos. Que e o Todo-Poderoso, para que nos o sirvamos? E que nos aproveitara, se lhe fizermos orac,oes? Vede, porem, que eles nao tem na mao a prosperidade; esteja longe de mim o conselho dos impios! Quantas vezes sucede que se apague a lampada dos impios? que lhes sobrevenha a sua destruic,ao? que Deus na sua ira lhes reparta dores? que eles sejam como a palha diante do vento, e como a pragana, que o redemoinho arrebata? Deus, dizeis vos, reserva a iniqueidade do pai para seus filhos, mas e a ele mesmo que Deus deveria punir, para que o conhec,a. Vejam os seus proprios olhos a sua ruina, e beba ele do furor do Todo-Poderoso. Pois, que lhe importa a sua casa depois de morto, quando lhe for cortado o numero dos seus meses? Acaso se ensinara ciencia a Deus, a ele que julga os excelsos? Um morre em plena prosperidade, inteiramente sossegado e tranqueilo; com os seus baldes cheios de leite, e a medula dos seus ossos umedecida. Outro, ao contrario, morre em amargura de alma, nao havendo provado do bem. Juntamente jazem no po, e os vermes os cobrem. Eis que conhec,o os vossos pensamentos, e os maus intentos com que me fazeis injustic,a. Pois dizeis: Onde esta a casa do principe, e onde a tenda em que morava o impio? Porventura nao perguntastes aos viandantes? e nao aceitais o seu testemunho, de que o mau e preservado no dia da destruic,ao, e poupado no dia do furor? Quem acusara diante dele o seu caminho? e quem lhe dara o pago do que fez? Ele e levado para a sepultura, e vigiam-lhe o tumulo. Os torroes do vale lhe sao doces, e o seguirao todos os homens, como ele o fez aos inumeraveis que o precederam. Como, pois, me ofereceis consolac,oes vas, quando nas vossas respostas so resta falsidade?
Capitulo 22. Entao respondeu Elifaz, o temanita: Pode o homem ser de algum proveito a Deus? Antes a si mesmo e que o prudente sera proveitoso. Tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou lucro em que tu fac,as perfeitos os teus caminhos? E por causa da tua reverencia que te repreende, ou que entra contigo em juizo? Nao e grande a tua malicia, e sem termo as tuas iniqueidades? Pois sem causa tomaste penhores a teus irmaos e aos nus despojaste dos vestidos. Nao deste ao cansado agua a beber, e ao faminto retiveste o pao. Mas ao poderoso pertencia a terra, e o homem acatado habitava nela. Despediste vazias as viuvas, e os brac,os dos orfaos foram quebrados. Por isso e que estas cercado de lac,os, e te perturba um pavor repentino, ou trevas de modo que nada podes ver, e a inundac,ao de aguas te cobre. Nao esta Deus na altura do ceu? Olha para as mais altas estrelas, quao elevadas estao! E dizes: Que sabe Deus? Pode ele julgar atraves da escuridao? Grossas nuvens o encobrem, de modo que nao pode ver; e ele passeia em volta da abobada do ceu. Queres seguir a vereda antiga, que pisaram os homens iniquos? Os quais foram arrebatados antes do seu tempo; e o seu fundamento se derramou qual um rio. Diziam a Deus: retira-te de nos; e ainda: Que e que o Todo-Poderoso nos pode fazer? Contudo ele encheu de bens as suas casas. Mas longe de mim estejam os conselhos dos impios! Os justos o veem, e se alegram: e os inocentes escarnecem deles, dizendo: Na verdade sao exterminados os nossos adversarios, e o fogo consumiu o que deixaram. Apega-te, pois, a Deus, e tem paz, e assim te sobrevira o bem. Aceita, pec,o-te, a lei da sua boca, e poe as suas palavras no teu corac,ao. Se te voltares para o Todo-Poderoso, seras edificado; se lanc,ares a iniqueidade longe da tua tenda, e deitares o teu tesouro no po, e o ouro de Ofir entre as pedras dos ribeiros, entao o Todo-Poderoso sera o teu tesouro, e a tua prata preciosa. Pois entao te deleitaras no Todo-Poderoso, e levantaras o teu rosto para Deus. Tu oraras a ele, e ele te ouvira; e pagaras os teus votos. Tambem determinaras algum negocio, e ser-te-a firme, e a luz brilhara em teus caminhos. Quando te abaterem, diras: haja exaltac,ao! E Deus salvara ao humilde. E livrara ate o que nao e inocente, que sera libertado pela pureza de tuas maos.
Capitulo 23. Entao Jo respondeu: Ainda hoje a minha queixa esta em amargura; o peso da mao dele e maior do que o meu gemido. Ah, se eu soubesse onde encontra-lo, e pudesse chegar ao seu tribunal! Exporia ante ele a minha causa, e encheria a minha boca de argumentos. Saberia as palavras com que ele me respondesse, e entenderia o que me dissesse. Acaso contenderia ele comigo segundo a grandeza do seu poder? Nao; antes ele me daria ouvidos. Ali o reto pleitearia com ele, e eu seria absolvido para sempre por meu Juiz. Eis que vou adiante, mas nao esta ali; volto para tras, e nao o percebo; procuro-o `a esquerda, onde ele opera, mas nao o vejo; viro-me para a direita, e nao o diviso. Mas ele sabe o caminho por que eu ando; provando-me ele, sairei como o ouro. Os meus pes se mantiveram nas suas pisadas; guardei o seu caminho, e nao me desviei dele. Nunca me apartei do preceito dos seus labios, e escondi no meu peito as palavras da sua boca. Mas ele esta resolvido; quem entao pode desvia-lo? E o que ele quiser, isso fara. Pois cumprira o que esta ordenado a meu respeito, e muitas coisas como estas ainda tem consigo. Por isso me perturbo diante dele; e quando considero, tenho medo dele. Deus macerou o meu corac,ao; o Todo-Poderoso me perturbou. Pois nao estou desfalecido por causa das trevas, nem porque a escuridao cobre o meu rosto.
Capitulo 24. Por que o Todo-Poderoso nao designa tempos? e por que os que o conhecem nao veem os seus dias? Ha os que removem os limites; roubam os rebanhos, e os apascentam. Levam o jumento do orfao, tomam em penhor o boi da viuva. Desviam do caminho os necessitados; e os oprimidos da terra juntos se escondem. Eis que, como jumentos monteses no deserto, saem eles ao seu trabalho, procurando no ermo a presa que lhes sirva de sustento para seus filhos. No campo segam o seu pasto, e vindimam a vinha do impio. Passam a noite nus, sem roupa, nao tendo coberta contra o frio. Pelas chuvas das montanhas sao molhados e, por falta de abrigo, abrac,am-se com as rochas. Ha os que arrancam do peito o orfao, e tomam o penhor do pobre; fazem que estes andem nus, sem roupa, e, embora famintos, carreguem os molhos. Espremem o azeite dentro dos muros daqueles homens; pisam os seus lagares, e ainda tem sede. Dentro das cidades gemem os moribundos, e a alma dos feridos clama; e contudo Deus nao considera o seu clamor. Ha os que se revoltam contra a luz; nao conhecem os caminhos dela, e nao permanecem nas suas veredas. O homicida se levanta de madrugada, mata o pobre e o necessitado, e de noite torna-se ladrao. Tambem os olhos do adultero aguardam o crepusculo, dizendo: Ninguem me vera; e disfarc,a o rosto. Nas trevas minam as casas; de dia se conservam encerrados; nao conhecem a luz. Pois para eles a profunda escuridao e a sua manha; porque sao amigos das trevas espessas. Sao levados ligeiramente sobre a face das aguas; maldita e a sua porc,ao sobre a terra; nao tornam pelo caminho das vinhas. A sequidao e o calor desfazem as, aguas da neve; assim faz o Seol aos que pecaram. A madre se esquecera dele; os vermes o comerao gostosamente; nao sera mais lembrado; e a iniqueidade se quebrara como arvore. Ele despoja a esteril que nao da `a luz, e nao faz bem `a viuva. Todavia Deus prolonga a vida dos valentes com a sua forc,a; levantam-se quando haviam desesperado da vida. Se ele lhes da descanso, estribam-se, nisso; e os seus olhos estao sobre os caminhos deles. Eles se exaltam, mas logo desaparecem; sao abatidos, colhidos como os demais, e cortados como as espigas do trigo. Se nao e assim, quem me desmentira e desfara as minhas palavras?
Capitulo 25. Entao respondeu Bildade, o suita: Com Deus estao dominio e temor; ele faz reinar a paz nas suas alturas. Acaso tem numero os seus exercitos? E sobre quem nao se levanta a sua luz? Como, pois, pode o homem ser justo diante de Deus, e como pode ser puro aquele que nasce da mulher? Eis que ate a lua nao tem brilho, e as estrelas nao sao puras aos olhos dele; quanto menos o homem, que e um verme, e o filho do homem, que e um vermezinho!
Capitulo 26. Entao Jo respondeu: Como tens ajudado ao que nao tem forc,a e sustentado o brac,o que nao tem vigor! como tens aconselhado ao que nao tem sabedoria, e plenamente tens revelado o verdadeiro conhecimento! Para quem proferiste palavras? E de quem e o espirito que saiu de ti? Os mortos tremem debaixo das aguas, com os que ali habitam. O Seol esta nu perante Deus, e nao ha coberta para o Abadom. Ele estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada. Prende as aguas em suas densas nuvens, e a nuvem nao se rasga debaixo delas. Encobre a face do seu trono, e sobre ele estende a sua nuvem. Marcou um limite circular sobre a superficie das aguas, onde a luz e as trevas se confinam. As colunas do ceu tremem, e se espantam da sua ameac,a. Com o seu poder fez sossegar o mar, e com o seu entendimento abateu a Raabe. Pelo seu sopro ornou o ceu; a sua mao traspassou a serpente veloz. Eis que essas coisas sao apenas as orlas dos seus caminhos; e quao pequeno e o sussurro que dele, ouvimos! Mas o trovao do seu poder, quem o podera entender?
Capitulo 27. E prosseguindo Jo em seu discurso, disse: Vive Deus, que me tirou o direito, e o Todo-Poderoso, que me amargurou a alma; enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz, nao falarao os meus labios iniqueidade, nem a minha lingua pronunciara engano. Longe de mim que eu vos de razao; ate que eu morra, nunca apartarei de mim a minha integridade. e minha justic,a me apegarei e nao a largarei; o meu corac,ao nao reprova dia algum da minha vida. Seja como o impio o meu inimigo, e como o perverso aquele que se levantar contra mim. Pois qual e a esperanc,a do impio, quando Deus o cortar, quando Deus lhe arrebatar a alma? Acaso Deus lhe ouvira o clamor, sobrevindo-lhe a tribulac,ao? Deleitar-se-a no Todo-Poderoso, ou invocara a Deus em todo o tempo? Ensinar-vos-ei acerca do poder de Deus, e nao vos encobrirei o que esta com o Todo-Poderoso. Eis que todos vos ja vistes isso; por que, pois, vos entregais completamente `a vaidade? Esta e da parte de Deus a porc,ao do impio, e a heranc,a que os opressores recebem do Todo-Poderoso: Se os seus filhos se multiplicarem, sera para a espada; e a sua prole nao se fartara de pao. Os que ficarem dele, pela peste serao sepultados, e as suas viuvas nao chorarao. Embora amontoe prata como po, e acumule vestes como barro, ele as pode acumular, mas o justo as vestira, e o inocente repartira a prata. A casa que ele edifica e como a teia da aranha, e como a cabana que o guarda faz. Rico se deita, mas nao o fara mais; abre os seus olhos, e ja se foi a sua riqueza. Pavores o alcanc,am como um diluvio; de noite o arrebata a tempestade. O vento oriental leva-o, e ele se vai; sim, varre-o com impeto do seu lugar: Pois atira contra ele, e nao o poupa, e ele foge precipitadamente do seu poder. Bate palmas contra ele, e assobia contra ele do seu lugar.
Capitulo 28. Na verdade, ha minas donde se extrai a prata, e tambem lugar onde se refina o ouro: O ferro tira-se da terra, e da pedra se funde o cobre. Os homens poem termo `as trevas, e ate os ultimos confins exploram as pedras na escuridao e nas trevas mais densas. Abrem um poc,o de mina longe do lugar onde habitam; sao esquecidos pelos viajantes, ficando pendentes longe dos homens, e oscilam de um lado para o outro. Quanto `a terra, dela procede o pao, mas por baixo e revolvida como por fogo. As suas pedras sao o lugar de safiras, e tem po de ouro. A ave de rapina nao conhece essa vereda, e nao a viram os olhos do falcao. Nunca a pisaram feras altivas, nem o feroz leao passou por ela. O homem estende a mao contra a pederneira, e revolve os montes desde as suas raizes. Corta canais nas pedras, e os seus olhos descobrem todas as coisas preciosas. Ele tapa os veios d'agua para que nao gotejem; e tira para a luz o que estava escondido. Mas onde se achara a sabedoria? E onde esta o lugar do entendimento? O homem nao lhe conhece o caminho; nem se acha ela na terra dos viventes. O abismo diz: Nao esta em mim; e o mar diz: Ela nao esta comigo. Nao pode ser comprada com ouro fino, nem a peso de prata se trocara. Nem se pode avaliar em ouro fino de Ofir, nem em pedras preciosas de berilo, ou safira. Com ela nao se pode comparar o ouro ou o vidro; nem se trocara por joias de ouro fino. Nao se fara menc,ao de coral nem de cristal; porque a aquisic,ao da sabedoria e melhor que a das perolas. Nao se lhe igualara o topazio da Etiopia, nem se pode comprar por ouro puro. Donde, pois, vem a sabedoria? Onde esta o lugar do entendimento? Esta encoberta aos olhos de todo vivente, e oculta `as aves do ceu. O Abadom e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos um rumor dela. Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar. Porque ele perscruta ate as extremidades da terra, sim, ele ve tudo o que ha debaixo do ceu. Quando regulou o peso do vento, e fixou a medida das aguas; quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relampago dos trovoes; entao viu a sabedoria e a manifestou; estabeleceu-a, e tambem a esquadrinhou. E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor e a sabedoria, e o apartar-se do mal e o entendimento.
Capitulo 29. E prosseguindo Jo no seu discurso, disse: Ah! quem me dera ser como eu fui nos meses do passado, como nos dias em que Deus me guardava; quando a sua lampada luzia sobre o minha cabec,a, e eu com a sua luz caminhava atraves das trevas; como era nos dias do meu vigor, quando o intimo favor de Deus estava sobre a minha tenda; quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus filhos em redor de mim; quando os meus passos eram banhados em leite, e a rocha me deitava ribeiros de azeite! Quando eu saia para a porta da cidade, e na prac,a preparava a minha cadeira, os moc,os me viam e se escondiam, e os idosos se levantavam e se punham em pe; os principes continham as suas palavras, e punham a mao sobre a sua boca; a voz dos nobres emudecia, e a lingua se lhes pegava ao paladar. Pois, ouvindo-me algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; e vendo-me algum olho, dava testemunho de mim; porque eu livrava o miseravel que clamava, e o orfao que nao tinha quem o socorresse. A benc,ao do que estava a perecer vinha sobre mim, e eu fazia rejubilar-se o corac,ao da viuva. vestia-me da retidao, e ela se vestia de mim; como manto e diadema era a minha justic,a. Fazia-me olhos para o cego, e pes para o coxo; dos necessitados era pai, e a causa do que me era desconhecido examinava com diligencia. E quebrava os caninos do perverso, e arrancava-lhe a presa dentre os dentes. Entao dizia eu: No meu ninho expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia; as minhas raizes se estendem ate as aguas, e o orvalho fica a noite toda sobre os meus ramos; a minha honra se renova em mim, e o meu arco se revigora na minha mao. A mim me ouviam e esperavam, e em silencio atendiam ao meu conselho. Depois de eu falar, nada replicavam, e minha palavra destilava sobre eles; esperavam-me como `a chuva; e abriam a sua boca como `a chuva tardia. Eu lhes sorria quando nao tinham confianc,a; e nao desprezavam a luz do meu rosto; eu lhes escolhia o caminho, assentava-me como chefe, e habitava como rei entre as suas tropas, como aquele que consola os aflitos.
Capitulo 30. Mas agora zombam de mim os de menos idade do que eu, cujos pais teria eu desdenhado de por com os caes do meu rebanho. Pois de que me serviria a forc,a das suas maos, homens nos quais ja pereceu o vigor? De mingua e fome emagrecem; andam roendo pelo deserto, lugar de ruinas e desolac,ao. Apanham malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento sao as raizes dos zimbros. Sao expulsos do meio dos homens, que gritam atras deles, como atras de um ladrao. Tem que habitar nos desfiladeiros sombrios, nas cavernas da terra e dos penhascos. Bramam entre os arbustos, ajuntam-se debaixo das urtigas. Sao filhos de insensatos, filhos de gente sem nome; da terra foram enxotados. Mas agora vim a ser a sua canc,ao, e lhes sirvo de proverbio. Eles me abominam, afastam-se de mim, e no meu rosto nao se privam de cuspir. Porquanto Deus desatou a minha corda e me humilhou, eles sacudiram de si o freio perante o meu rosto. e direita levanta-se gente vil; empurram os meus pes, e contra mim erigem os seus caminhos de destruic,ao. Estragam a minha vereda, promovem a minha calamidade; nao ha quem os detenha. Vem como por uma grande brecha, por entre as ruinas se precipitam. Sobrevieram-me pavores; e perseguida a minha honra como pelo vento; e como nuvem passou a minha felicidade. E agora dentro de mim se derrama a minha alma; os dias da aflic,ao se apoderaram de mim. De noite me sao traspassados os ossos, e o mal que me corroi nao descansa. Pela violencia do mal esta desfigurada a minha veste; como a gola da minha tunica, me aperta. Ele me lanc,ou na lama, e fiquei semelhante ao po e `a cinza. Clamo a ti, e nao me respondes; ponho-me em pe, e nao atentas para mim. Tornas-te cruel para comigo; com a forc,a da tua mao me persegues. Levantas-me sobre o vento, fazes-me cavalgar sobre ele, e dissolves-me na tempestade. Pois eu sei que me levaras `a morte, e `a casa do ajuntamento destinada a todos os viventes. Contudo nao estende a mao quem esta a cair? ou nao clama por socorro na sua calamidade? Nao chorava eu sobre aquele que estava aflito? ou nao se angustiava a minha alma pelo necessitado? Todavia aguardando eu o bem, eis que me veio o mal, e esperando eu a luz, veio a escuridao. As minhas entranhas fervem e nao descansam; os dias da aflic,ao me surpreenderam. Denegrido ando, mas nao do sol; levanto-me na congregac,ao, e clamo por socorro. Tornei-me irmao dos chacais, e companheiro dos avestruzes. A minha pele enegrece e se me cai, e os meus ossos estao queimados do calor. Pelo que se tornou em pranto a minha harpa, e a minha flauta em voz dos que choram.
Capitulo 31. Fiz pacto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem? Pois que porc,ao teria eu de Deus la de cima, e que heranc,a do Todo-Poderoso la do alto? Nao e a destruic,ao para o perverso, e o desastre para os obradores da iniqueidade? Nao ve ele os meus caminhos, e nao conta todos os meus passos? Se eu tenho andado com falsidade, e se o meu pe se tem apressado apos o engano (pese-me Deus em balanc,as fieis, e conhec,a a minha integridade); se os meus passos se tem desviado do caminho, e se o meu corac,ao tem seguido os meus olhos, e se qualquer mancha se tem pegado `as minhas maos; entao semeie eu e outro coma, e seja arrancado o produto do meu campo. Se o meu corac,ao se deixou seduzir por causa duma mulher, ou se eu tenho armado traic,ao `a porta do meu proximo, entao moa minha mulher para outro, e outros se encurvem sobre ela. Pois isso seria um crime infame; sim, isso seria uma iniqueidade para ser punida pelos juizes; porque seria fogo que consome ate Abadom, e desarraigaria toda a minha renda. Se desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles pleitearam comigo, entao que faria eu quando Deus se levantasse? E quando ele me viesse inquirir, que lhe responderia? Aquele que me formou no ventre nao o fez tambem a meu servo? E nao foi um que nos plasmou na madre? Se tenho negado aos pobres o que desejavam, ou feito desfalecer os olhos da viuva, ou se tenho comido sozinho o meu bocado, e nao tem comido dele o orfao tambem (pois desde a minha mocidade o orfao cresceu comigo como com seu pai, e a viuva, tenho-a guiado desde o ventre de minha mae); se tenho visto alguem perecer por falta de roupa, ou o necessitado nao ter com que se cobrir; se os seus lombos nao me abenc,oaram, se ele nao se aquentava com os velos dos meus cordeiros; se levantei a minha mao contra o orfao, porque na porta via a minha ajuda; entao caia do ombro a minha espadua, e separe-se o meu brac,o da sua juntura. Pois a calamidade vinda de Deus seria para mim um horror, e eu nao poderia suportar a sua majestade. Se do ouro fiz a minha esperanc,a, ou disse ao ouro fino: Tu es a minha confianc,a; se me regozijei por ser grande a minha riqueza, e por ter a minha mao alcanc,a o muito; se olhei para o sol, quando resplandecia, ou para a lua, quando ela caminhava em esplendor, e o meu corac,ao se deixou enganar em oculto, e a minha boca beijou a minha mao; isso tambem seria uma iniqueidade para ser punida pelos juizes; pois assim teria negado a Deus que esta la em cima. Se me regozijei com a ruina do que me tem odio, e se exultei quando o mal lhe sobreveio (mas eu nao deixei pecar a minha boca, pedindo com imprecac,ao a sua morte); se as pessoas da minha tenda nao disseram: Quem ha que nao se tenha saciado com carne provida por ele? O estrangeiro nao passava a noite na rua; mas eu abria as minhas portas ao viandante; se, como Adao, encobri as minhas transgressoes, ocultando a minha iniqueidade no meu seio, porque tinha medo da grande multidao, e o desprezo das familias me aterrorizava, de modo que me calei, e nao sai da porta... Ah! quem me dera um que me ouvisse! Eis a minha defesa, que me responda o Todo-Poderoso! Oxala tivesse eu a acusac,ao escrita pelo meu adversario! Por certo eu a levaria sobre o ombro, sobre mim a ataria como coroa. Eu lhe daria conta dos meus passos; como principe me chegaria a ele Se a minha terra clamar contra mim, e se os seus sulcos juntamente chorarem; se comi os seus frutos sem dinheiro, ou se fiz que morressem os seus donos; por trigo me produza cardos, e por cevada joio. Acabaram-se as palavras de Jo.
Capitulo 32. E aqueles tres homens cessaram de responder a Jo; porque era justo aos seus proprios olhos. Entao se acendeu a ira de Eliu, filho de Baraquel, o buzita, da familia de Rao; acendeu-se a sua ira contra Jo, porque este se justificava a si mesmo, e nao a Deus. Tambem contra os seus tres amigos se acendeu a sua ira, porque nao tinham achado o que responder, e contudo tinham condenado a Jo. Ora, Eliu havia esperado para falar a Jo, porque eles eram mais idosos do que ele. Quando, pois, Eliu viu que nao havia resposta na boca daqueles tres homens, acendeu-se-lhe a ira. Entao respondeu Eliu, filho de Baraquel, o buzita, dizendo: Eu sou de pouca idade, e vos sois, idosos; arreceei-me e temi de vos declarar a minha opiniao. Dizia eu: Falem os dias, e a multidao dos anos ensine a sabedoria. Ha, porem, um espirito no homem, e o sopro do Todo-Poderoso o faz entendido. Nao sao os velhos que sao os sabios, nem os anciaos que entendem o que e reto. Pelo que digo: Ouvi-me, e tambem eu declararei a minha opiniao. Eis que aguardei as vossas palavras, escutei as vossas considerac,oes, enquanto buscaveis o que dizer. Eu, pois, vos prestava toda a minha atenc,ao, e eis que nao houve entre vos quem convencesse a Jo, nem quem respondesse `as suas palavras; pelo que nao digais: Achamos a sabedoria; Deus e que pode derruba-lo, e nao o homem. Ora ele nao dirigiu contra mim palavra alguma, nem lhe responderei com as vossas palavras. Estao pasmados, nao respondem mais; faltam-lhes as palavras. Hei de eu esperar, porque eles nao falam, porque ja pararam, e nao respondem mais? Eu tambem darei a minha resposta; eu tambem declararei a minha opiniao. Pois estou cheio de palavras; o espirito dentro de mim me constrange. Eis que o meu peito e como o mosto, sem respiradouro, como odres novos que estao para arrebentar. Falarei, para que ache alivio; abrirei os meus labios e responderei: Que nao fac,a eu acepc,ao de pessoas, nem use de lisonjas para com o homem. Porque nao sei usar de lisonjas; do contrario, em breve me levaria o meu Criador.
Capitulo 33. Ouve, pois, as minhas palavras, o Jo, e da ouvidos a todas as minhas declarac,oes. Eis que ja abri a minha boca; ja falou a minha lingua debaixo do meu paladar. As minhas palavras declaram a integridade do meu corac,ao, e os meus labios falam com sinceridade o que sabem. O Espirito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me da vida. Se podes, responde-me; poe as tuas palavras em ordem diante de mim; apresenta-te. Eis que diante de Deus sou o que tu es; eu tambem fui formado do barro. Eis que nao te perturbara nenhum medo de mim, nem sera pesada sobre ti a minha mao. Na verdade tu falaste aos meus ouvidos, e eu ouvi a voz das tuas palavras. Dizias: Limpo estou, sem transgressao; puro sou, e nao ha em mim iniqueidade. Eis que Deus procura motivos de inimizade contra mim, e me considera como o seu inimigo. Poe no tronco os meus pes, e observa todas as minhas veredas. Eis que nisso nao tens razao; eu te responderei; porque Deus e maior do que o homem. Por que razao contendes com ele por nao dar conta dos seus atos? Pois Deus fala de um modo, e ainda de outro se o homem nao lhe atende. Em sonho ou em visao de noite, quando cai sono profundo sobre os homens, quando adormecem na cama; entao abre os ouvidos dos homens, e os atemoriza com avisos, para apartar o homem do seu designio, e esconder do homem a soberba; para reter a sua alma da cova, e a sua vida de passar pela espada. Tambem e castigado na sua cama com dores, e com incessante contenda nos seus ossos; de modo que a sua vida abomina o pao, e a sua alma a comida apetecivel. Consome-se a sua carne, de maneira que desaparece, e os seus ossos, que nao se viam, agora aparecem. A sua alma se vai chegando `a cova, e a sua vida aos que trazem a morte. Se com ele, pois, houver um anjo, um interprete, um entre mil, para declarar ao homem o que lhe e justo, entao tera compaixao dele, e lhe dira: Livra-o, para que nao desc,a `a cova; ja achei resgate. Sua carne se reverdecera mais do que na sua infancia; e ele tornara aos dias da sua juventude. Deveras orara a Deus, que lhe sera propicio, e o fara ver a sua face com jubilo, e restituira ao homem a sua justic,a. Cantara diante dos homens, e dira: Pequei, e perverti o direito, o que de nada me aproveitou. Mas Deus livrou a minha alma de ir para a cova, e a minha vida vera a luz. Eis que tudo isto Deus faz duas e tres vezes para com o homem, para reconduzir a sua alma da cova, a fim de que seja iluminado com a luz dos viventes. Escuta, pois, o Jo, ouve-me; cala-te, e eu falarei. Se tens alguma coisa que dizer, responde-me; fala, porque desejo justificar-te. Se nao, escuta-me tu; cala-te, e ensinar-te-ei a sabedoria.
Capitulo 34. Prosseguiu Eliu, dizendo: Ouvi, vos, sabios, as minhas palavras; e vos, entendidos, inclinai os ouvidos para mim. Pois o ouvido prova as palavras, como o paladar experimenta a comida. O que e direito escolhamos para nos; e conhec,amos entre nos o que e bom. Pois Jo disse: Sou justo, e Deus tirou-me o direito. Apesar do meu direito, sou considerado mentiroso; a minha ferida e incuravel, embora eu esteja sem transgressao. Que homem ha como Jo, que bebe o escarnio como agua, que anda na companhia dos malfeitores, e caminha com homens impios? Porque disse: De nada aproveita ao homem o comprazer-se em Deus. Pelo que ouvi-me, vos homens de entendimento: longe de Deus o praticar a maldade, e do Todo-Poderoso o cometer a iniqueidade! Pois, segundo a obra do homem, ele lhe retribui, e faz a cada um segundo o seu caminho. Na verdade, Deus nao procedera impiamente, nem o Todo-Poderoso pervertera o juizo. Quem lhe entregou o governo da terra? E quem lhe deu autoridade sobre o mundo todo? Se ele retirasse para si o seu espirito, e recolhesse para si o seu folego, toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o po. Se, pois, ha em ti entendimento, ouve isto, inclina os ouvidos `as palavras que profiro. Acaso quem odeia o direito governara? Quereras tu condenar aquele que e justo e poderoso? aquele que diz a um rei: o vil? e aos principes: o impios? que nao faz acepc,ao das pessoas de principes, nem estima o rico mais do que o pobre; porque todos sao obra de suas maos? Eles num momento morrem; e `a meia-noite os povos sao perturbados, e passam, e os poderosos sao levados nao por mao humana. Porque os seus olhos estao sobre os caminhos de cada um, e ele ve todos os seus passos. Nao ha escuridao nem densas trevas, onde se escondam os obradores da iniqueidade. Porque Deus nao precisa observar por muito tempo o homem para que este comparec,a perante ele em juizo. Ele quebranta os fortes, sem inquiric,ao, e poe outros em lugar deles. Pois conhecendo ele as suas obras, de noite os transtorna, e ficam esmagados. Ele os fere como impios, `a vista dos circunstantes; porquanto se desviaram dele, e nao quiseram compreender nenhum de seus caminhos, de sorte que o clamor do pobre subisse ate ele, e que ouvisse o clamor dos aflitos. Se ele da tranqueilidade, quem entao o condenara? Se ele encobrir o rosto, quem entao o podera contemplar, quer seja uma nac,ao, quer seja um homem so? para que o impio nao reine, e nao haja quem iluda o povo. Pois, quem jamais disse a Deus: Sofri, ainda que nao pequei; o que nao vejo, ensina-me tu; se fiz alguma maldade, nunca mais a hei de fazer? Sera a sua recompensa como queres, para que a recuses? Pois tu tens que fazer a escolha, e nao eu; portanto fala o que sabes. Os homens de entendimento dir-me-ao, e o varao sabio, que me ouvir: Jo fala sem conhecimento, e `as suas palavras falta sabedoria. Oxala que Jo fosse provado ate o fim; porque responde como os iniquos. Porque ao seu pecado acrescenta a rebeliao; entre nos bate as palmas, e multiplica contra Deus as suas palavras.
Capitulo 35. Disse mais Eliu: Tens por direito dizeres: Maior e a minha justic,a do que a de Deus? Porque dizes: Que me aproveita? Que proveito tenho mais do que se eu tivera pecado? Eu te darei respostas, a ti e aos teus amigos contigo. Atenta para os ceus, e ve; e contempla o firmamento que e mais alto do que tu. Se pecares, que efetuaras contra ele? Se as tuas transgressoes se multiplicarem, que lhe faras com isso? Se fores justo, que lhe daras, ou que recebera ele da tua mao? A tua impiedade poderia fazer mal a outro tal como tu; e a tua justic,a poderia aproveitar a um filho do homem. Por causa da multidao das opressoes os homens clamam; clamam por socorro por causa do brac,o dos poderosos. Mas ninguem diz: Onde esta Deus meu Criador, que inspira canc,oes durante a noite; que nos ensina mais do que aos animais da terra, e nos faz mais sabios do que as aves do ceu? Ali clamam, porem ele nao responde, por causa da arrogancia os maus. Certo e que Deus nao ouve o grito da vaidade, nem para ela atentara o Todo-Poderoso. Quanto menos quando tu dizes que nao o ves. A causa esta perante ele; por isso espera nele. Mas agora, porque a sua ira ainda nao se exerce, nem grandemente considera ele a arrogancia, por isso abre Jo em vao a sua boca, e sem conhecimento multiplica palavras.
Capitulo 36. Prosseguiu ainda Eliu e disse: Espera-me um pouco, e mostrar-te-ei que ainda ha razoes a favor de Deus. De longe trarei o meu conhecimento, e ao meu criador atribuirei a justic,a. Pois, na verdade, as minhas palavras nao serao falsas; contigo esta um que tem perfeito conhecimento. Eis que Deus e mui poderoso, contudo a ninguem despre grande e no poder de entendimento. Ele nao preserva a vida do impio, mas faz justic,a aos aflitos. Do justo nao aparta os seus olhos; antes com os reis no trono os faz sentar para sempre, e assim sao exaltados. E se estao presos em grilhoes, e amarrados com cordas de aflic,ao, entao lhes faz saber a obra deles, e as suas transgressoes, porquanto se tem portado com soberba. E abre-lhes o ouvido para a instruc,ao, e ordena que se convertam da iniqueidade. Se o ouvirem, e o servirem, acabarao seus dias em prosperidade, e os seus anos em delicias. Mas se nao o ouvirem, `a espada serao passados, e expirarao sem conhecimento. Assim os impios de corac,ao amontoam, a sua ira; e quando Deus os poe em grilhoes, nao clamam por socorro. Eles morrem na mocidade, e a sua vida perece entre as prostitutas. Ao aflito livra por meio da sua aflic,ao, e por meio da opressao lhe abre os ouvidos. Assim tambem quer induzir-te da angustia para um lugar espac,oso, em que nao ha aperto; e as iguarias da tua mesa serao cheias de gordura. Mas tu estas cheio do juizo do impio; o juizo e a justic,a tomam conta de ti. Cuida, pois, para que a ira nao te induza a escarnecer, nem te desvie a grandeza do resgate. Prevalecera o teu clamor, ou todas as forc,as da tua fortaleza, para que nao estejas em aperto? Nao suspires pela noite, em que os povos sejam tomados do seu lugar. Guarda-te, e nao declines para a iniqueidade; porquanto isso escolheste antes que a aflic,ao. Eis que Deus e excelso em seu poder; quem e ensinador como ele? Quem lhe prescreveu o seu caminho? Ou quem podera dizer: Tu praticaste a injustic,a? Lembra-te de engrandecer a sua obra, de que tem cantado os homens. Todos os homens a veem; de longe a contempla o homem. Eis que Deus e grande, e nos nao o conhecemos, e o numero dos seus anos nao se pode esquadrinhar. Pois atrai a si as gotas de agua, e do seu vapor as destila em chuva, que as nuvens derramam e gotejam abundantemente sobre o homem. Podera alguem entender as dilatac,oes das nuvens, e os trovoes do seu pavilhao? Eis que ao redor de si estende a sua luz, e cobre o fundo do mar. Pois por estas coisas julga os povos e lhes da mantimento em abundancia. Cobre as maos com o relampago, e da-lhe ordem para que fira o alvo. O fragor da tempestade da noticia dele; ate o gado pressente a sua aproximac,ao.
Capitulo 37. Sobre isso tambem treme o meu corac,ao, e salta do seu lugar. Dai atentamente ouvidos ao estrondo da voz de Deus e ao sonido que sai da sua boca. Ele o envia por debaixo de todo o ceu, e o seu relampago ate os confins da terra. Depois do relampago ruge uma grande voz; ele troveja com a sua voz majestosa; e nao retarda os raios, quando e ouvida a sua voz. Com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas, que nos nao compreendemos. Pois `a neve diz: Cai sobre a terra; como tambem `as chuvas e aos aguaceiros: Sede copiosos. Ele sela as maos de todo homem, para que todos saibam que ele os fez. E as feras entram nos esconderijos e ficam nos seus covis. Da recamara do sul sai o tufao, e do norte o frio. Ao sopro de Deus forma-se o gelo, e as largas aguas sao congeladas. Tambem de umidade carrega as grossas nuvens; as nuvens espalham relampagos. Fazem evoluc,oes sob a sua direc,ao, para efetuar tudo quanto lhes ordena sobre a superficie do mundo habitavel: seja para disciplina, ou para a sua terra, ou para beneficencia, que as fac,a vir. A isto, Jo, inclina os teus ouvidos; para e considera as obras maravilhosas de Deus. Sabes tu como Deus lhes da as suas ordens, e faz resplandecer o relampago da sua nuvem? Compreendes o equilibrio das nuvens, e as maravilhas daquele que e perfeito nos conhecimentos; tu cujas vestes sao quentes, quando ha calma sobre a terra por causa do vento sul? Acaso podes, como ele, estender o firmamento, que e solido como um espelho fundido? Ensina-nos o que lhe diremos; pois nos nada poderemos por em boa ordem, por causa das trevas. Contar-lhe-ia alguem que eu quero falar. Ou desejaria um homem ser devorado? E agora o homem nao pode olhar para o sol, que resplandece no ceu quando o vento, tendo passado, o deixa limpo. Do norte vem o aureo esplendor; em Deus ha tremenda majestade. Quanto ao Todo-Poderoso, nao o podemos compreender; grande e em poder e justic,a e pleno de retidao; a ninguem, pois, oprimira. Por isso o temem os homens; ele nao respeita os que se julgam sabios.
Capitulo 38. Depois disso o Senhor respondeu a Jo dum redemoinho, dizendo: Quem e este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento? Agora cinge os teus lombos, como homem; porque te perguntarei, e tu me responderas. Onde estavas tu, quando eu lanc,ava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento. Quem lhe fixou as medidas, se e que o sabes? ou quem a mediu com o cordel? Sobre que foram firmadas as suas bases, ou quem lhe assentou a pedra de esquina, quando juntas cantavam as estrelas da manha, e todos os filhos de Deus bradavam de jubilo? Ou quem encerrou com portas o mar, quando este rompeu e saiu da madre; quando eu lhe pus nuvens por vestidura, e escuridao por faixas, e lhe tracei limites, pondo-lhe portas e ferrolhos, e lhe disse: Ate aqui viras, porem nao mais adiante; e aqui se quebrarao as tuas ondas orgulhosas? Desde que comec,aram os teus dias, deste tu ordem `a madrugada, ou mostraste `a alva o seu lugar, para que agarrasse nas extremidades da terra, e os impios fossem sacudidos dela? A terra se transforma como o barro sob o selo; e todas as coisas se assinalam como as cores dum vestido. E dos impios e retirada a sua luz, e o brac,o altivo se quebranta. Acaso tu entraste ate os mananciais do mar, ou passeaste pelos recessos do abismo? Ou foram-te descobertas as portas da morte, ou viste as portas da sombra da morte? Compreendeste a largura da terra? Faze-mo saber, se sabes tudo isso. Onde esta o caminho para a morada da luz? E, quanto `as trevas, onde esta o seu lugar, para que `as tragas aos seus limites, e para que saibas as veredas para a sua casa? De certo tu o sabes, porque ja entao eras nascido, e porque e grande o numero dos teus dias! Acaso entraste nos tesouros da neve, e viste os tesouros da saraiva, que eu tenho reservado para o tempo da angustia, para o dia da peleja e da guerra? Onde esta o caminho para o lugar em que se reparte a luz, e se espalha o vento oriental sobre a terra? Quem abriu canais para o aguaceiro, e um caminho para o relampago do trovao; para fazer cair chuva numa terra, onde nao ha ninguem, e no deserto, em que nao ha gente; para fartar a terra deserta e assolada, e para fazer crescer a tenra relva? A chuva porventura tem pai? Ou quem gerou as gotas do orvalho? Do ventre de quem saiu o gelo? E quem gerou a geada do ceu? Como pedra as aguas se endurecem, e a superficie do abismo se congela. Podes atar as cadeias das Pleiades, ou soltar os atilhos do Oriom? Ou fazer sair as constelac,oes a seu tempo, e guiar a ursa com seus filhos? Sabes tu as ordenanc,as dos ceus, ou podes estabelecer o seu dominio sobre a terra? Ou podes levantar a tua voz ate as nuvens, para que a abundancia das aguas te cubra? Ou ordenaras aos raios de modo que saiam? Eles te dirao: Eis-nos aqui? Quem pos sabedoria nas densas nuvens, ou quem deu entendimento ao meteoro? Quem numerara as nuvens pela sabedoria? Ou os odres do ceu, quem os esvaziara, quando se funde o po em massa, e se pegam os torroes uns aos outros? Podes cac,ar presa para a leoa, ou satisfazer a fome dos filhos dos leoes, quando se agacham nos covis, e estao `a espreita nas covas? Quem prepara ao corvo o seu alimento, quando os seus pintainhos clamam a Deus e andam vagueando, por nao terem o que comer?
Capitulo 39. Sabes tu o tempo do parto das cabras montesas, ou podes observar quando e que parem as corc,as? Podes contar os meses que cumprem, ou sabes o tempo do seu parto? Encurvam-se, dao `a luz as suas crias, lanc,am de si a sua prole. Seus filhos enrijam, crescem no campo livre; saem, e nao tornam para elas: Quem despediu livre o jumento montes, e quem soltou as prisoes ao asno veloz, ao qual dei o ermo por casa, e a terra salgada por morada? Ele despreza o tumulto da cidade; nao obedece os gritos do condutor. O circuito das montanhas e o seu pasto, e anda buscando tudo o que esta verde. Querera o boi selvagem servir-te? ou ficara junto `a tua manjedoura? Podes amarrar o boi selvagem ao arado com uma corda, ou esterroara ele apos ti os vales? Ou confiaras nele, por ser grande a sua forc,a, ou deixaras a seu cargo o teu trabalho? Fiaras dele que te torne o que semeaste e o recolha `a tua eira? Movem-se alegremente as asas da avestruz; mas e benigno o adorno da sua plumagem? Pois ela deixa os seus ovos na terra, e os aquenta no po, e se esquece de que algum pe os pode pisar, ou de que a fera os pode calcar. Endurece-se para com seus filhos, como se nao fossem seus; embora se perca o seu trabalho, ela esta sem temor; porque Deus a privou de sabedoria, e nao lhe repartiu entendimento. Quando ela se levanta para correr, zomba do cavalo, e do cavaleiro. Acaso deste forc,a ao cavalo, ou revestiste de forc,a o seu pescoc,o? Fizeste-o pular como o gafanhoto? Terrivel e o fogoso respirar das suas ventas. Escarva no vale, e folga na sua forc,a, e sai ao encontro dos armados. Ri-se do temor, e nao se espanta; e nao torna atras por causa da espada. Sobre ele rangem a aljava, a lanc,a cintilante e o dardo. Tremendo e enfurecido devora a terra, e nao se contem ao som da trombeta. Toda vez que soa a trombeta, diz: Eia! E de longe cheira a guerra, e o trovao dos capitaes e os gritos. E pelo teu entendimento que se eleva o gaviao, e estende as suas asas para o sul? Ou se remonta a aguia ao teu mandado, e poe no alto o seu ninho? Mora nas penhas e ali tem a sua pousada, no cume das penhas, no lugar seguro. Dali descobre a presa; seus olhos a avistam de longe. Seus filhos chupam o sangue; e onde ha mortos, ela ai esta.
Capitulo 40. Disse mais o Senhor a Jo: Contendera contra o Todo-Poderoso o censurador? Quem assim argui a Deus, responda a estas coisas. Entao Jo respondeu ao Senhor, e disse: Eis que sou vil; que te responderia eu? Antes ponho a minha mao sobre a boca. Uma vez tenho falado, e nao replicarei; ou ainda duas vezes, porem nao prosseguirei. Entao, do meio do redemoinho, o Senhor respondeu a Jo: Cinge agora os teus lombos como homem; eu te perguntarei a ti, e tu me responderas. Faras tu vao tambem o meu juizo, ou me condenaras para te justificares a ti? Ou tens brac,o como Deus; ou podes trovejar com uma voz como a dele? Orna-te, pois, de excelencia e dignidade, e veste-te de gloria e de esplendor. Derrama as inundac,oes da tua ira, e atenta para todo soberbo, e abate-o. Olha para todo soberbo, e humilha-o, e calca aos pes os impios onde estao. Esconde-os juntamente no po; ata-lhes os rostos no lugar escondido. Entao tambem eu de ti confessarei que a tua mao direita te podera salvar. Contempla agora o hipopotamo, que eu criei como a ti, que come a erva como o boi. Eis que a sua forc,a esta nos seus lombos, e o seu poder nos musculos do seu ventre. Ele enrija a sua cauda como o cedro; os nervos das suas coxas sao entretecidos. Os seus ossos sao como tubos de bronze, as suas costelas como barras de ferro. Ele e obra prima dos caminhos de Deus; aquele que o fez o proveu da sua espada. Em verdade os montes lhe produzem pasto, onde todos os animais do campo folgam. Deita-se debaixo dos lotos, no esconderijo dos canaviais e no pantano. Os lotos cobrem-no com sua sombra; os salgueiros do ribeiro o cercam. Eis que se um rio trasborda, ele nao treme; sente-se seguro ainda que o Jordao se levante ate a sua boca. Podera alguem apanha-lo quando ele estiver de vigia, ou com lac,os lhe furar o nariz?
Capitulo 41. Poderas tirar com anzol o leviata, ou apertar-lhe a lingua com uma corda? Poderas meter-lhe uma corda de junco no nariz, ou com um gancho furar a sua queixada? Porventura te fara muitas suplicas, ou brandamente te falara? Fara ele alianc,a contigo, ou o tomaras tu por servo para sempre? Brincaras com ele, como se fora um passaro, ou o prenderas para tuas meninas? Farao os socios de pesca trafico dele, ou o dividirao entre os negociantes? Poderas encher-lhe a pele de arpoes, ou a cabec,a de fisgas? Poe a tua mao sobre ele; lembra-te da peleja; nunca mais o faras! Eis que e va a esperanc,a de apanha-lo; pois nao sera um homem derrubado so ao ve-lo? Ninguem ha tao ousado, que se atreva a desperta-lo; quem, pois, e aquele que pode erguer-se diante de mim? Quem primeiro me deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois tudo quanto existe debaixo de todo ceu e meu. Nao me calarei a respeito dos seus membros, nem da sua grande forc,a, nem da grac,a da sua estrutura. Quem lhe pode tirar o vestido exterior? Quem lhe penetrara a courac,a dupla? Quem jamais abriu as portas do seu rosto? Pois em roda dos seus dentes esta o terror. As suas fortes escamas sao o seu orgulho, cada uma fechada como por um selo apertado. Uma `a outra se chega tao perto, que nem o ar passa por entre elas. Umas `as outras se ligam; tanto aderem entre si, que nao se podem separar. Os seus espirros fazem resplandecer a luz, e os seus olhos sao como as pestanas da alva. Da sua boca saem tochas; faiscas de fogo saltam dela. Dos seus narizes procede fumac,a, como de uma panela que ferve, e de juncos que ardem. O seu halito faz incender os carvoes, e da sua boca sai uma chama. No seu pescoc,o reside a forc,a; e diante dele anda saltando o terror. Os tecidos da sua carne estao pegados entre si; ela e firme sobre ele, nao se pode mover. O seu corac,ao e firme como uma pedra; sim, firme como a pedra inferior duma mo. Quando ele se levanta, os valentes sao atemorizados, e por causa da consternac,ao ficam fora de si. Se alguem o atacar com a espada, essa nao podera penetrar; nem tampouco a lanc,a, nem o dardo, nem o arpao. Ele considera o ferro como palha, e o bronze como pau podre. A seta nao o podera fazer fugir; para ele as pedras das fundas se tornam em restolho. Os bastoes sao reputados como juncos, e ele se ri do brandir da lanc,a. Debaixo do seu ventre ha pontas agudas; ele se estende como um trilho sobre o lodo. As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como uma vasilha de ungueento. Apos si deixa uma vereda luminosa; parece o abismo tornado em brancura de cas. Na terra nao ha coisa que se lhe possa comparar; pois foi feito para estar sem pavor. Ele ve tudo o que e alto; e rei sobre todos os filhos da soberba.
Capitulo 42. Entao respondeu Jo ao Senhor: Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propositos pode ser impedido. Quem e este que sem conhecimento obscurece o conselho? por isso falei do que nao entendia; coisas que para mim eram demasiado maravilhosas, e que eu nao conhecia. Ouve, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me responderas. Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te veem os meus olhos. Pelo que me abomino, e me arrependo no po e na cinza. Sucedeu pois que, acabando o Senhor de dizer a Jo aquelas palavras, o Senhor disse a Elifaz, o temanita: A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos, porque nao tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jo. Tomai, pois, sete novilhos e sete carneiros, e ide ao meu servo Jo, e oferecei um holocausto por vos; e o meu servo Jo orara por vos; porque deveras a ele aceitarei, para que eu nao vos trate conforme a vossa estulticia; porque vos nao tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jo. Entao foram Elifaz o temanita, e Bildade o suita, e Zofar o naamatita, e fizeram como o Senhor lhes ordenara; e o Senhor aceitou a Jo. O Senhor, pois, virou o cativeiro de Jo, quando este orava pelos seus amigos; e o Senhor deu a Jo o dobro do que antes possuia. Entao vieram ter com ele todos os seus irmaos, e todas as suas irmas, e todos quantos dantes o conheceram, e comeram com ele pao em sua casa; condoeram-se dele, e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado; e cada um deles lhe deu uma pec,a de dinheiro e um pendente de ouro. E assim abenc,oou o Senhor o ultimo estado de Jo, mais do que o primeiro; pois Jo chegou a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas. Tambem teve sete filhos e tres filhas. E chamou o nome da primeira Jemima, e o nome da segunda Quezia, e o nome da terceira Queren-Hapuque. E em toda a terra nao se acharam mulheres tao formosas como as filhas de Jo; e seu pai lhes deu heranc,a entre seus irmaos. Depois disto viveu Jo cento e quarenta anos, e viu seus filhos, e os filhos de seus filhos: ate a quarta gerac,ao. Entao morreu Jo, velho e cheio de dias.